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Comissão da verdade do México revela novas evidências de ‘voos da morte’ durante a ‘guerra suja’ de 1965-1990

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Comissão da verdade do México revela novas evidências de ‘voos da morte’ durante a ‘guerra suja’ de 1965-1990


CIDADE DO MÉXICO –

Surgiram mais evidências de que as autoridades mexicanas descartaram os corpos de dissidentes em “voos da morte” durante a “guerra suja” do país entre 1965 e 1990.

A Comissão da Verdade governamental do México disse em um relatório na sexta-feira que as lembranças de testemunhas e documentos vazados ao longo dos anos descreveram os últimos momentos arrepiantes das vítimas. As execuções eram parte de um esforço do governo mexicano na época para eliminar movimentos sociais e guerrilheiros de esquerda.

As vítimas, que não foram identificadas ou contadas, foram puxadas uma a uma para um banco em um campo de aviação militar perto de Acapulco. Elas acreditaram que teriam suas fotos tiradas, mas, em vez disso, foram baleadas na parte de trás da cabeça, e seus corpos jogados de avião no oceano Pacífico.

Segundo depoimento de Gustavo Tarín, que na época servia em uma unidade da polícia militar, a mesma pistola foi usada com tanta frequência nos assassinatos que os soldados inventaram um apelido para ela: “a espada da justiça”.

Tarín disse que até 1.500 pessoas podem ter sido mortas dessa forma, embora ele não tenha fornecido listas nem nomes das vítimas. Algumas das vítimas podem ter morrido, mas ainda não estavam mortas, quando foram empurradas para fora dos aviões.

O mecânico de aviação militar Margarito Monroy disse que participou de 15 voos e que às vezes as vítimas femininas recebiam a oferta de libertação, ou a libertação de seus maridos, se fizessem sexo com soldados, embora ele nunca tenha visto nenhuma delas ser libertada.

A comissão da verdade localizou livros de registro de cerca de 30 voos de um avião partindo da base entre 1975 e 1979. E em uma declaração de testemunha de duas décadas atrás, de um homem que alegou ser um desertor das forças armadas, outros 25 voos de outro avião são mencionados.

Essa declaração, que estava guardada há muito tempo nos arquivos de um ativista de direitos humanos já falecido, incluía uma lista de 183 nomes de prováveis ​​vítimas dos “voos da morte”. Vários desses nomes correspondem a pessoas que desapareceram durante a campanha de contra-insurgência do governo.

Ao contrário do caso mais conhecido dos “voos da morte” realizados pela ditadura militar argentina de 1976-1983, pouco se sabe sobre os realizados pelo México, principalmente na década de 1970, a partir de uma pequena base aérea em Pie de la Cuesta, a oeste de Acapulco.

Durante um julgamento entre 2012 e 2017, sobreviventes na Argentina testemunharam que os voos aconteciam pelo menos uma vez por semana.

O julgamento argentino, no qual 29 ex-oficiais foram condenados à prisão perpétua, provou que a ditadura argentina usou “voos da morte” como um modo sistemático de extermínio. A junta da Argentina é amplamente considerada a mais mortal das ditaduras militares que governaram grande parte da América Latina nas décadas de 1970 e 1980. Grupos de direitos humanos estimam que 30.000 foram mortos, muitos dos quais desapareceram sem deixar vestígios.

No México, as execuções menos disseminadas pareciam ter como alvo pequenos movimentos de guerrilha rural no estado de Guerrero, onde Acapulco está localizada. Mas uma ampla gama de pessoas foi aparentemente envolvida nos assassinatos.

As execuções mexicanas pareciam um pouco mais rudimentares e menos bem planejadas: pescadores da área lembram de ter visto corpos aparecerem na praia, depois dos quais os militares supostamente começaram a colocá-los em sacos com pedras antes de jogá-los no oceano.

As revelações faziam parte de um relatório de 4.000 páginas detalhando tudo, desde execuções, torturas, desaparecimentos e deslocamentos forçados realizados pelo governo contra fazendeiros, estudantes, ativistas sindicais e membros de grupos indígenas. Quase nenhum dos abusos foi levado a julgamento, apesar das investigações terem começado já na administração do presidente Vicente Fox (2000-2006).

As vítimas dos “voos da morte” eram apenas uma pequena parte de uma estratégia maior de repressão. No geral, a comissão da verdade citou evidências de que em todo o país havia cerca de 4.500 vítimas identificadas de abusos graves durante a chamada “guerra suja”. Ela documentou que 1.450 foram mortas e outras 517 simplesmente desapareceram sem deixar vestígios.

O governo realizou escavações dentro e ao redor de bases militares nos últimos anos, tentando realocar os restos mortais daqueles enterrados em sepulturas clandestinas, com relativamente pouco sucesso. Durante o trabalho da comissão, os restos mortais de sete vítimas foram recuperados.

Mas os autores do relatório também observaram que o Exército, o Centro Nacional de Inteligência e outras instituições negaram solicitações de alguns documentos e destruíram outros na tentativa de “esconder a verdade”.

A comissão pediu que cerca de 600 possíveis autores dos abusos fossem investigados por seu envolvimento, embora muitos deles possam ter morrido.

Em 2004, o falecido ex-presidente Luis Echeverría se tornou o primeiro ex-chefe de estado mexicano formalmente acusado de irregularidades criminais. Os promotores ligaram Echeverría, que governou de 1970 a 1976, à “guerra suja” na qual centenas de ativistas de esquerda e membros de grupos guerrilheiros marginais foram presos, mortos ou simplesmente desapareceram sem deixar vestígios.

Em 2005, um juiz decidiu que Echeverria não poderia ser julgado por acusações de genocídio decorrentes de assassinatos políticos em 1971, dizendo que, embora o ex-presidente possa ter sido responsável por homicídio, o prazo de prescrição para esse crime expirou em 1985. Em março de 2009, um tribunal federal confirmou a decisão de um tribunal inferior.



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