Nuno Melo, ministro da Defesa e líder do CDS, confessa que “ninguém está confortável” com umas eleições legislativas antecipadas que não deviam existir e não arrisca falar em maioria absoluta num próximo ciclo, ao contrário do seu colega de governo Paulo Rangel.
Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o actual ministro e ex-eurodeputado defende Luís Montenegro na polémica sobre a empresa Spinumviva. Sobre defesa, deixa um aviso aos EUA e, embora aposte num serviço militar “profissional”, admite estudar “outros modelos” se o contexto mundial sofrer uma “alteração grave”.
Se Luís Montenegro tivesse dado logo explicações sobre avenças e acabado com a empresa Spinumviva, como António Lobo Xavier defendeu, o país não teria de ir a eleições?
Em primeiro lugar, vivemos uma crise política grave, séria e totalmente desnecessária, que foi criada pelas oposições à esquerda e o seu maior aliado, que é um populismo que se diz de direita. Toda esta sucessão de acontecimentos acontece porque quando um Governo governa bem, as oposições têm dificuldade de politicamente contraditar o que o Governo faz e o que sobra é a pequena política. No caso, a suspeição que fica no ar, uma forma muito perversa que degrada a democracia. Houve uma circunstância que não é ilícita e que não geraria nenhuma incompatibilidade.
Mas a questão não é essa, é receber avenças de empresas.
Não cometeu também nenhum ilícito criminal.
Diz que houve responsabilidade das oposições, mas estamos perante uma crise política criada por causa do comportamento de uma pessoa que é primeiro-ministro. O CDS sente-se confortável a ser arrastado para esta crise?
Houve um prolongar de uma situação de ataque pessoal à volta de suspeições nunca concretizadas, para retirarem dividendos partidários, à custa do interesse nacional, e houve um bom governo que caiu. Os portugueses têm memória do que de bom foi feito por este governo. Têm também memória do que de muito mau foi feito por Pedro Nuno Santos e pelo PS durante oito anos.
Nenhum português estará confortável com uma situação que é de crise política e de eleições antecipadas. Eu preferia que não existisse polémica. Preferia que não existissem eleições antecipadas. O facto de existir polémica não significa que os argumentos da oposição tenham vencimento, tenham razão de ser, sejam justificados. Esse para mim é que é o ponto. O primeiro-ministro não fez nada de ilegal.
Luís Montenegro admite que se for constituído arguido, não deixará de ser candidato nas próximas legislativas. É aceitável a posição de o CDS fazer parte de uma coligação em que o primeiro candidato possa vir a ser constituído arguido?
Sabe que uma coisa é a constituição de arguido, outra coisa é a condenação e outra coisa ainda é uma decisão contra a instância de julgado de uma sentença. Sabe que, infelizmente, o nosso sistema judicial permite que uma denúncia anónima, por exemplo, garanta um processo e que alguém seja constituído arguido pela simples questão de uma denúncia anónima.
O CDS vai apoiá-lo até ao fim?
Se eu lhe disse que o primeiro-ministro, em consciência, entende que não fez nada de errado e, por essa circunstância, será candidato, obviamente que neste projecto, sendo um projecto da AD, o CDS estará nele de corpo inteiro. Qual é a dúvida?
Teme que durante a campanha eleitoral possa haver algum condicionamento por parte da justiça, porque este caso vai continuar a correr na justiça?
Nós vivemos num país democrático, num Estado de direito, com o princípio fundamental da separação de poderes. E o que eu espero é que a justiça funcione bem, e que a política possa seguir o seu curso sem interferências de quaisquer outros patamares ou outras dimensões daquilo que é a essência do próprio Estado.
Portanto, vamos a votos porque as oposições assim quiseram e eu estarei na rua com consciência muito tranquila, com a enorme satisfação do dever cumprido, e esperando razoavelmente que as pessoas saibam avaliar esses resultados, que não são poucos.
Como ministro e líder do CDS, estava a par, ontem, das várias propostas que foram feitas pelo PSD para que houvesse uma CPI que durasse apenas 15 dias e depois outra que, afinal, durasse 60 dias?
Não é tema que deva trazer aqui ou tratar porque tem que ver com as dinâmicas importantes internas de governos.
Acha que é séria uma proposta de uma Comissão Parlamentar decorrer em 15 dias, que normalmente é o tempo usado para notificar as pessoas para serem ouvidas e para se marcarem as audições na Assembleia da República?
Eu acho que se tentou chegar a um entendimento para uma solução que evitasse uma crise política num país. Um acordo, por definição, não pode terminar com uma posição de uma das partes apenas, porque senão não tem um acordo. A preocupação que foi sempre expressa foi uma situação negativa para o regime, injusta até, que não se prolongasse indefinidamente. Estamos perante a degradação de um regime e de um sistema político em que vale tudo para se ter votos, sem se perceber que amanhã ficará tudo pior. É um libelo acusatório na base de coisa nenhuma. E é uma tristeza que diminui quem assim se comporta, começando por Pedro Nuno Santos, que pretende um dia ser primeiro-ministro deste país. E que eu acho que não merece ser primeiro-ministro deste país.
As últimas sondagens mostram que os portugueses consideram que o culpado desta situação é o governo e condenam a forma como se comportou o primeiro-ministro por não ter dado explicações.
Mas qual comportamento, especificamente? De não ter dado explicações? Para começar, eu não participei nesses estudos de opinião. Não sei como é que as perguntas foram colocadas e as perguntas podem elas próprias ser conducentes a um determinado resultado.
Há poucos dias, Paulo Rangel dizia ao jornal Observador que a AD merece a maioria absoluta. É possível lá chegar? Acredita nisso?
O que eu lhe digo é que temos uma interrupção anormal da legislatura. Acho que é um bom governo. Um governo com muitos resultados e que, por causa disso, merece ser reconduzido. A dimensão desse resultado, que levará a essa recondução, dependerá da vontade de um povo.
E gostaria que houvesse uma coligação pré-eleitoral com a Iniciativa Liberal, como sugeriu há dias também o ex-líder do CDS, Paulo Portas?
Esse assunto já está esclarecido pela própria Iniciativa Liberal. Não estou de acordo, nem em desacordo.
Mas há um pós-eleições: se a AD ganhar as eleições com maioria relativa, como é que governará?
Nós temos que lutar por essa maioria. Não havendo essa maioria, depois logo se verá.
E se o PS ganhar as próximas eleições com maioria relativa, acha que a AD poderá ter o mesmo comportamento que teve o PS com a AD, ao viabilizar um orçamento do Estado e um governo minoritário? Ou seja, pode haver aqui uma reciprocidade no futuro?
Essa resposta deve ser dada por quem lidera essa coligação.
Em relação às presidenciais, ainda tem esperança de ver um nome da área do CDS?
Não antecipo ciclos.
E Gouveia e Melo não é opção para o CDS?
O CDS aguardará a definição dos candidatos, de todos. O PSD definiu que o candidato presencial teria que ser alguém do PSD. Ora, nós, no CDS, não definimos coisa equivalente. Portanto, o nosso candidato há-de ser o melhor candidato.
A Europa está a preparar um pacote financeiro significativo para a defesa. Se o Governo da AD for eleito de novo, vai aprovar a compra dos aviões F-35?
Os F-16 estão em fim de ciclo e teremos que pensar na sua substituição. Mas, nas nossas escolhas, não podemos ficar alheados da envolvente geopolítica. A recente posição dos Estados Unidos, no contexto da NATO e no plano geoestratégico internacional, tem que nos fazer pensar as melhores opções, porque a previsibilidade dos nossos aliados é um bem maior a ter em conta. Temos que acreditar que, em todas as circunstâncias, esses aliados estarão do nosso lado. Há várias opções que têm que ser consideradas, nomeadamente no contexto de produção europeia e também tendo em conta o retorno que essas opções possam ter para a economia portuguesa.
A Força Aérea deseja que essa substituição seja feita por F-35, que são aviões de fabrico norte-americano. O que está a dizer é que, devido à alteração da política externa norte-americana, é menos provável que Portugal substitua os F-16 por um avião americano?
O mundo já mudou. Houve eleições nos EUA, houve uma posição em relação à NATO e ao mundo, afirmada pelo secretário para a Defesa e pelo próprio Presidente dos EUA, que tem que ser tida em conta também na Europa e no que tem a ver com Portugal.
E esse nosso aliado, que ao longo de décadas foi sempre previsível, poderá trazer limitações na utilização, na manutenção, nos componentes, em tudo aquilo que tem a ver com a garantia de que as aeronaves serão operacionais e serão utilizadas em todo o tipo de cenários.
E a substituição podia passar por aeronaves, por exemplo, francesas?
Essa discussão não vou ter aqui.
Concorda com o Presidente da República, quando disse que os Estados Unidos são agora um antigo parceiro de Portugal?
Os Estados Unidos são um aliado fundamental da NATO, que asseguram a paz na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial e que nós, europeus, temos a obrigação de preservar e estimar, o que não invalida estarmos atentos às alterações de contexto, geopolíticas, às declarações que são públicas de vários líderes, e em função disso tomarmos uma decisão.
O país, com a administração Trump, pode estar a deslizar para a ditadura, como disse o Presidente?Não, não acho. Os Estados Unidos são uma democracia antiga, que tem mecanismos que nunca permitiriam ao país resvalar para uma ditadura.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, defendeu no domingo, em entrevista à CNN, que a contribuição de Portugal para a defesa possa aumentar até aos 2,5 % do PIB. Esta é a meta também que defende?
Nós para já antecipámos, para 2029, o crescimento do investimento na defesa até 2 % do PIB. E o que estamos a fazer é já um enorme esforço para estarmos à altura das metas e dos compromissos estabelecidos com os nossos aliados. Não invalida, neste contexto geopolítico, que a reavaliação vá sendo permanente.
Quando é que acha que seria possível?
É uma matéria tão relevante e tão determinante que eu não me permito o “achómetro”.
Nos últimos meses, cresceu o número de candidatos a militares contratados. Já não faz sentido falar em novo serviço militar cívico?
Eu acredito nas virtudes de um sistema profissional em que, quem é militar, é militar porque quer. E para isso tem que estar bem equipado e com todas as condições. E é nesse sentido que nós trabalhamos todos os dias. Não pode nenhum de nós dizer que, se houver uma alteração grave no contexto geopolítico mundial, tal qual outros países da União Europeia vão fazendo agora, outros modelos não possam ser estudados.
O primeiro-ministro disse em Bruxelas que Portugal vai colaborar com forças no terreno, se for preciso, na Ucrânia. O que lhe pergunto é que tipo de forças temos que possam ir para a Ucrânia?
Neste momento, não há uma definição a esse propósito. Não há neste momento nenhuma definição de nenhum plano em relação a tropas que só num contexto de cessar-fogo, ou de acordo para a paz, pode ser ponderado. O que existe neste momento é uma fase de planeamento na base de diferentes cenários, sem que possa concretizar nenhuma medida específica. Quando falamos de tropas no terreno, falamos de terra, mar, ar, em contexto. Com apoio de quem? Qual é o papel dos Estados Unidos? Há um conjunto de detalhes específicos que são absolutamente necessários para que se possa tomar uma decisão.
Mas pode antecipar que pode ser uma das missões mais arriscadas para os militares portugueses das últimas décadas?
Mas sabe que ser militar é arriscado, por definição. O contexto em que as organizações internacionais, e desde logo a NATO, mas não só, pondera tropas de diferentes países na Ucrânia, é na base de um cessar-fogo ou de um acordo com o assentimento e vontade das partes beligerantes, e com garantias que têm que ser muito claras e definidas. E nada disso existe neste momento.
O Governo preparava-se para aprovar mais um pacote, julgo que de 300 milhões de euros, de ajuda para a Ucrânia. Isso ainda será feito nas próximas semanas com o governo em gestão?
Portugal tem que ser capaz de cumprir os compromissos assumidos com os nossos aliados no que tem a ver com a ajuda à Ucrânia. Em 2025, tínhamos previsto teoricamente um esforço de perto de 220 milhões de euros. Se tiver que crescer até 300 milhões de euros, também não cresceria assim tanto.
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O dr. António Costa assumiu [despesa com ajuda militar para Ucrânia], com o governo em gestão [em 2024].
Mas chamou a S. Bento Luís Montenegro.
Mas não chamou o CDS e devia tê-lo feito. A defesa é uma daquelas áreas em que os grandes consensos são desejáveis e, felizmente, têm acontecido ao longo de 50 anos de democracia. Os partidos do dito arco da governabilidade, o PSD, o PS e o CDS, têm sido capazes de alinhar o essencial das decisões, o que não invalida divergências. No contexto da ajuda à Ucrânia, esse consenso existe.