Desde 2014 que os oliventinos podem obter a nacionalidade portuguesa. Nestes dez anos, foi registada nos sistemas nacionais a entrada de 746 portugueses naturais de Olivença, de acordo com uma resposta do Ministério da Justiça a uma pergunta do grupo parlamentar do CDS.
A pergunta, remetida a 1 de Agosto pelos deputados Paulo Núncio e João Pinho de Almeida, pedia informação aos Registos Centrais acerca do número de pedidos “entrados, deferidos, indeferidos e pendentes” de oliventinos para atribuição da nacionalidade portuguesa, assim como a discriminação dos regimes de atribuição que permitiram conceder a nacionalidade nestes casos.
A resposta chegou já este mês, a 3 de Setembro, por parte do Ministério da Justiça. Embora o ministério sublinhe não ser possível extrair dados “com base na ligação a Olivença” quanto aos pedidos de nacionalidade, uma vez que as requisições apresentadas por oliventinos “não constituem uma categoria autónoma de processos”, há dados que permitem traçar um retrato superficial da situação.
Desde 2014, o ano em que se iniciou um processo de dupla nacionalidade que permitiu aos naturais de Olivença o pedido de nacionalidade portuguesa, deram entrada, nos sistemas do Registo de Identificação Civil, informações sobre 746 “cidadãos portugueses com naturalidade de Olivença”. No primeiro ano, registaram-se 78, com 2017 a estabelecer um máximo de 210 entradas nos registos de portugueses naturais de Olivença.
A resposta do Ministério da Justiça continua depois explicando que a nacionalidade portuguesa pode ser conseguida quando “o interessado invoca ter nascido em Olivença” antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (1981). É também possível abrir processos de atribuição de nacionalidade em casos de ascendência de nacionalidade portuguesa.
A questão de Olivença continua a dar que falar
O ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, afirmou esta sexta-feira que “Olivença é portuguesa”, reacendendo um tema que é recorrentemente lembrado em Portugal, mas raras vezes ultrapassando a fronteira.
Questionado por jornalistas em Estremoz, Nuno Melo disse que a pertença de Olivença a Portugal está estabelecida por tratado, sublinhando que a sua afirmação “não é provocação nenhuma”.
O PÚBLICO contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não comentou as declarações do ministro da Defesa Nacional. Também contactados pelo PÚBLICO, nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol nem a autarquia de Olivença responderam, até ao momento, a um pedido de comentário. Numa nota à agência espanhola Efe, o alcaide de Olivença Manuel José González Andrade disse que que discursos que procuram “separar através das fronteiras, no século XXI, foram mais do que esquecidos e pertencem a séculos passados”.
Embora não seja comum ter um ministro a proferir abertamente uma afirmação deste tipo, a questão de Olivença surge pontualmente no mundo político nacional. Em 2022, o Parlamento português apresentou o livro “Olivença na História”. A publicação reúne “vários pontos de vista sobre a situação jurídica de Olivença”, dizia então Sérgio Sousa Pinto, o deputado do PS que coordenou o trabalho de elaboração dessa obra.
Apesar de a diplomacia portuguesa continuar, dois séculos depois, sem reconhecer a soberania espanhola sobre Olivença, o tema chega a ser um “não-assunto” entre os dois Estados, não perturbando as relações. A publicação do livro em 2022 pretendia “perceber Olivença” e contribuir para uma “aproximação prática” com Espanha, procurando reforçar vínculos e preservar a memória de uma localidade com uma história muito própria.
Apesar de ruas com nomes com figuras históricas em espanhol, da língua espanhola ou da placa na ponte sobre o Guadiana que indica a chegada território espanhol, a localidade celebra o Dia de Portugal e a população continua a procurar preservar o legado português, desde a língua à nacionalidade.
Para Carlos Luna, historiador e membro do Grupo dos Amigos de Olivença, as declarações de Nuno Melo não fazem mais do que chamar a atenção para uma posição que Portugal tem mantido há dois séculos e que continua por resolver. O que sairá daqui depende da forma como o Governo tratar do assunto.
“Creio que o Estado português poderia pressionar Madrid, pelo menos no sentido de autorizar que os oliventinos conhecessem a sua própria história logo na escola”, diz o activista da causa de Olivença, que considera que a acção espanhola na localidade “só pode ser considerada como colonizadora”.
“Tratou-se de destruir o passado”, sublinha, aludindo à alteração dos nomes das ruas e as mudanças de alguns apelidos, criando “um vazio completo da história do Olivença anterior a 1801”. O historiador avisa também que, embora não constitua um problema agora, “este ressentimento” fica guardado para serem trazidas à baila num qualquer momento de tensão. “E isso é muito perigoso e alimenta nacionalismos fanáticos”, considera. com Marta Sofia Ribeiro