Carta de Habitação de Lisboa: uma tristeza


Esta carta é uma oportunidade perdida. É mais um manifesto de propaganda, sem orientação estratégica. Não é a Carta de Habitação que se exige para a atual situação de emergência.

Desde logo, assenta no Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa em vigor desde 2012 que não previa o que mudou com o crescimento exponencial do turismo, em particular do AL, dos residentes não permanentes e da imigração e do reflexo que tiveram na cidade, nomeadamente na diminuição da oferta, no aumento brutal dos preços das habitações e na gentrificação. O PDM ainda não foi revisto, como devia ter sido em 2022, e o trabalho que os serviços desenvolveram para a sua revisão desde 2014 foi posto na gaveta. É uma carta preguiçosa.

Pior é que parte de uma premissa para quantificar a carência de habitação que se baseia única e exclusivamente no número de casas que têm vindo a ser pedidas: quem não pede, não conta.

Calculando um crescimento demográfico moderado e fazendo um exercício prospetivo, rapidamente chegaremos ao dobro do número de carência indicado (cfr. CH preliminar de jun/2021). Aliás, o mesmo resulta da declaração fundamentada de carência habitacional aprovada em 2020. É, pois, uma carta distorcida.

É também confrangedor verificar que não se tem em conta o que a própria definição legal de Carta de Habitação aponta:

a) O planeamento prospetivo das carências resultantes da instalação e desenvolvimento de novas atividades económicas;

b) As intervenções para inverter situações de perda populacional e processos de gentrificação.

Mais, não é calculada qualquer construção nos terrenos do Estado. A Câmara Municipal de Lisboa conhece e tem identificadas essas áreas com um potencial de cerca de 3000 fogos. A lei diz mesmo que se deve identificar todos os recursos habitacionais e as potencialidades locais, nomeadamente em solo urbanizado. Tudo isto está mapeado, pelo que a ausência desta contabilização é incompreensível.

Injustificado é também que não se quantifique os fogos possíveis de construir em Unidades de Execução já aprovadas pela autarquia.

Preocupante é não se utilizar desde já o instrumento previsto na lei para reforçar as áreas destinadas a uso habitacional no PDM e noutros planos e ainda não se ter fixado a obrigatoriedade de construção de fogos de renda acessível em operações urbanísticas promovidas por privados. Logo, não se estima o número de fogos que daí poderia resultar.

Deixemos o reparo de não haver qualquer quantificação de necessidades para as comunidades de imigrantes. É uma carta desleixada, que esquece.

Ao criar a expectativa de 7000 habitações num horizonte de dez anos, para além de não mostrar ambição não dá esperança à maioria das pessoas, incluindo à classe média e aos jovens que a cada dia se afastam mais da cidade. É uma carta sem visão.

O mínimo que se pode esperar é que em oito anos, dois mandatos, se construam, para renda acessível, entre 12 a 14 mil novos fogos. Este é o esforço exigível.

Nunca existiu tanto dinheiro para financiar habitação pública. Do Governo, da União Europeia, para além do orçamento municipal. Capacidade técnica também existe como prova a quantidade de projetos preparados pela SRU entre 2019 e 2021, alguns metidos na gaveta pelo executivo de Carlos Moedas. Não há arte e engenho.

Não se diga que não existem espaços disponíveis para o agora pretendido. O que se questiona é não terem sido considerados. Os signatários demonstram a possibilidade de construir o número apresentado apenas contando com terrenos da CML e do Estado devidamente cartografados (https://tinyurl.com/lx-mapa​).



Sem contabilizar qualquer habitação de renda acessível proveniente de promoção privada ou que possam advir de uma negociação com a SGAL – Sociedade de Mediação Imobiliária na Alta do Lumiar, ou ainda de compras de terrenos com potencial de construção, constata-se que é possível atingir o objetivo proposto.

Os signatários participaram na consulta. Estranha-se que um documento desta importância não seja discutido numa reunião pública. A cividade mostra-se nestes gestos.

É a carta que recebemos. É uma tristeza.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico



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