3 paradoxos curiosos que mostram engenhosidade dos antigos filósofos gregos





A Escola de Atenas, pintura de Rafael.

Foto: Getty Images/BBC News Brasil

Os filósofos da Grécia Antiga usavam paradoxos por várias razões — desde aprimorar suas habilidades dialéticas e mostrar que oponentes estavam falando bobagem, até investigar questões filosóficas sérias — mas também por diversão.

Alguns paradoxos eram letais. O epitáfio de Filetas de Cos nos diz que ele morreu atormentado pelo “paradoxo do mentiroso”.

E, de acordo com um biógrafo, Diodoro Cronos se matou em 284 a.C. após não conseguir resolver um paradoxo proposto pelo colega, também filósofo, Estilpo de Megara.

Essas histórias são fantasiosas, mas indicam algo irritantemente verdadeiro sobre paradoxos: não pode haver uma solução única e óbvia. Às vezes, não há uma boa solução. Às vezes, há muitas soluções boas.

Os paradoxos apontam para falhas ou erros conceituais. Como corrigir esses erros, ou se eles podem ser corrigidos, raramente é óbvio.

Os três paradoxos a seguir são alguns dos exemplos mais conhecidos da Grécia Antiga.

1. O paradoxo do mentiroso

“Esta frase é falsa.”

Os filósofos chamam isso de “frase mentirosa”. Ela é verdadeira? Se você disser “sim, a frase mentirosa é verdadeira”, então as coisas são como está dito — mas a frase mentirosa diz que é falsa.

Por outro lado, suponha que você diga “não, a frase mentirosa é falsa”. Isso significa que as coisas não são como a frase mentirosa diz. Mas é exatamente isso que ela diz, então, nesse sentido, a frase mentirosa é verdadeira.

Resumindo, há boas razões para dizer tanto que a frase é verdadeira, quanto que é falsa. No entanto, nenhuma frase pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

Este paradoxo foi criado pelo filósofo Eubulides de Mileto, que era famoso por seus paradoxos, no século 4 a.C. Sua formulação original se perdeu, e o que apresento aqui é minha reconstrução dela.



Alguns paradoxos datam do século 4 a.C.

Alguns paradoxos datam do século 4 a.C.

Foto: Getty Images/BBC News Brasil

O paradoxo do mentiroso nos aliena de noções cotidianas como verdade, falsidade e linguagem autorreferencial.

Mas também nos leva a questionar a ideia, pressuposta pela dialética de perguntas e respostas (um diálogo entre pessoas que defendem pontos de vista diferentes sobre um assunto), de que toda pergunta pode ser respondida com “sim” ou “não”.

Parece que há boas razões para responder tanto “sim”, quanto “não” a algumas perguntas.

Alguns filósofos concluíram que isso significa que tanto “sim” quanto “não” são boas respostas para a pergunta: “a frase mentirosa é verdadeira?”.

Eles chamam isso de “excesso” de boas respostas. Para aplicar o paradoxo do mentiroso na sua vida, quando você fizer uma pergunta ou te perguntarem algo, pergunte a si mesmo: há mais de uma resposta certa?

2. O paradoxo dos chifres

Você perdeu seus chifres? Se você responder “sim”, você deve ter tido chifres que agora perdeu. Se você responder “não”, então você tem chifres que não perdeu. Seja qual for a sua resposta, você sugere que tinha chifres — mas isso é claramente falso.

As perguntas são uma parte fundamental da filosofia. Mas elas também são fundamentais para a forma como obtemos informações de outras pessoas.

O paradoxo do mentiroso destaca que algumas perguntas têm mais de uma boa resposta. O paradoxo dos chifres, por sua vez, destaca outro problema — as perguntas têm pressupostos.



Um dos paradoxos mais conhecidos da Grécia Antiga é o dos 'chifres'

Um dos paradoxos mais conhecidos da Grécia Antiga é o dos ‘chifres’

Foto: Getty Images/BBC News Brasil

Se eu perguntar: “você parou de comer carne?”, então eu suponho que você não come mais carne, mas que costumava comer.

Essas perguntas parecem ter uma resposta do tipo “sim” ou “não” — mas, na verdade, existe uma lacuna, pois poderíamos negar o pressuposto.

Quando você fizer perguntas, ou quando te fizerem perguntas, primeiro pergunte a si mesmo: o que está sendo pressuposto?

3. O paradoxo de ‘sorites’

Aqui estão 10 mil grãos de areia. Eu tenho um monte? Sim, claro. Eu removo um grão, então agora tenho 9.999 grãos. Tenho um monte? Sim. Eu removo outro grão, então fico com 9.998. Tenho um monte? Sim.

Perder um único grão não afeta se eu tenho um monte. Mas se repetir esta ação mais 9.997 vezes, eu tenho um grão. Isso deve ser um monte, mas é claro que não é.

Você pode argumentar tanto que um grão é um monte, quanto que não é. Mas nada pode ser um monte, e não ser um monte ao mesmo tempo.

Outro grande sucesso de Eubulides, o paradoxo de sorites (que deriva da palavra grega Sorosque significa “monte”), usa um monte como exemplo. Mas também amontoa pergunta após pergunta.



O paradoxo de sorites nos mostra que há lacunas e conceitos com limites difusos

O paradoxo de sorites nos mostra que há lacunas e conceitos com limites difusos

Foto: Getty Images/BBC News Brasil

Este paradoxo nos desafia porque alguns conceitos possuem limites difusos. Quando introduzimos esses conceitos difusos em uma dialética de perguntas e respostas, há respostas claras de “sim” ou “não” no início e no fim da sequência.

Dez mil grãos são claramente um monte, e um grão claramente não é. Mas não há respostas claras de “sim” ou “não” para uma região intermediária.

O paradoxo do mentiroso sugere que pode haver um excesso de boas respostas para perguntas de “sim” ou “não”; os chifres mostram que pode haver lacunas, onde nem “sim” nem “não” é a resposta certa.

Mas o paradoxo de sorites revela que pode haver lacunas que vêm e vão, com conceitos cujos limites são difusos. Mas quantos dos nossos conceitos possuem limites difusos? E será que os conceitos difusos acompanham um mundo difuso?

Os paradoxos destacam falhas em atividades comuns do dia a dia: afirmar verdades, fazer perguntas e descrever objetos.

Pensar cuidadosamente sobre isso é divertido, sem dúvida. Mas os paradoxos também devem nos conscientizar sobre se toda pergunta aparentemente boa tem exatamente uma boa resposta: algumas perguntas têm mais, outras não têm nenhuma.

*Matthew Duncombe é professor de Filosofia na Universidade de Nottingham, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas A Conversa e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).



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