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Se, ao longo de décadas, milhares de portugueses emigraram para o Brasil em busca de um futuro melhor, agora, o caminho de volta para Portugal está sendo feito por filhos, netos e bisnetos desses cidadãos. Dados do Ministério da Justiça lusitano apontam que, entre 2010 e 2023, quase 500 mil nascidos em terras brasileiras obtiveram a cidadania portuguesa. Desses, pelo menos a metade cruzou o Atlântico para se reconectar com as raízes dos antepassados.
Foram vários os fluxos de portugueses para o Brasil ao longo de séculos, pelas mais diversas razões: pobreza, regimes políticos autocráticos e profundas crises econômicas. O gigante latino-americano sempre foi visto como um país de oportunidades, a despeito dos problemas locais. E muitos conseguiram construir uma vida melhor.
Há casos excepcionais de sucesso. Alberto Souza Cruz deixou Santo Tirso, no Norte de Portugal, com 12 anos de idade para desbravar o Rio de Janeiro no início do século passado. Foram anos de luta até que ele fundasse uma das maiores empresas de cigarros brasileira. Já Valentim Diniz, que saiu da aldeia de Pomares aos 16 anos, criou a rede de supermercados Pão de Açúcar a partir de uma pequena mercearia.
Há casos de portugueses que rumaram para o Brasil e que nunca retornaram à terra natal. Mas filhos, netos e bisnetos decidiram fazer a viagem de retorno, mas para um país muito melhor do que aquele em que viveu seus parentes.
É o caso de dois casais, Ana Cristina, 48 anos, e André Fiedler, 46, e Bruno Aguiar Santos, advogado, 32, e Laura (cidadã italiana), designer de moda, 28. Os bisavôs deles viajaram em condições precárias, às vezes, até em porões de navios.
André nasceu no Rio de Janeiro e é analista de TI (tecnologia da informação). O bisavô dele, José da Silva Ribeiro, desembarcou no Brasil em 1908, com apenas 12 anos, enviado pela própria família, que apostava num futuro mais promissor para o menino.
Ana Cristina, jornalista, conta que o bisavô, ainda menor de idade, embarcou em um navio com o irmão menor, no final do século 19. No Rio de Janeiro, ele trabalhou na área portuária, construindo um patrimônio que permitiu aos descendentes condições de vida melhores do que certamente teriam no outro lado do Atlântico.
Atualmente, André e Ana vivem em Cascais, na área metropolitana de Lisboa, com os dois filhos, Bruno, 25, e Marina, 11. E foi a preocupação com a segurança deles que embarcaram para Portugal. “Foi tudo foi muito natural. Pegamos a nau de volta”, afirma Ana, que faz questão de lembrar que estão tendo uma vida muito melhor do que a dos antepassados.
Sem arrependimentos
O advogado Bruno trabalha em Portugal com direito empresarial, especialmente na área de franquias e insolvências, ramo semelhante ao que praticava no Brasil. A mulher dele, Laura, atua como estilista. Morando no Porto, esperam um país cheio de oportunidades para a pequena Elena, de 3 anos.
Bruno compara sua situação com a dos antepassados que atravessaram o Atlântico. O bisavô era feirante no Rio, já o avô, que viajou para o Brasil ainda criança, acabou por criar uma empresa metalúrgica. “Todos temos uma boa história para contar”, ressalta ele, que não se arrepende de ter feito o caminho de volta de sua família.
Foi em 2021, com título de mestre, que Bruno aportou em Portugal. Hoje, faz doutorado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, com o tema Sociologia do Estado do Direito e da Justiça. “Estamos muito bem instalados, seguros e felizes. Não há nada do que se arrepender, muito pelo contrário”, assinala.
Antes de pegarem a nau de volta para Portugal, Bruno, a mulher e a filha passaram por uma experiência traumática em São Paulo, onde moravam. “Um dia, por volta das seis da manhã, fomos acordados por cinco policiais batendo na porta da nossa casa e, quando abrimos, tive uma arma apontada para a minha cabeça”, lembra.
Foi um engano, mas que deixou marca em todos. “Havia um mandado de prisão para o antigo morador da casa e tivemos que demonstrar que eu não era a pessoa que procuravam”, descreve. Foi aí que o casal tomou a decisão de se mudar para Portugal.
Bruno aproveitou que a Universidade de Coimbra havia anunciado a abertura de inscrições para doutorado e conquistou uma das vagas. Quando soube da notícia, Laura falou imediatamente: “Se você vai, nós todos vamos”.
A decisão da família foi seguida ainda pelos pais de Bruno, o também advogado Maurício, 56, e Simone, 58. “Nos mudamos para um local novo, mas que fez parte da sua história de nossos antepassados”, diz o brasileiro. “Foi uma virada nas nossas vidas, um reinício, uma forma de renascimento”, acrescenta.
Descobertas
O auditor fiscal aposentado Jorge Gonçalves Marques, 57, natural do Rio de Janeiro, mas com origens no Norte de Portugal, conta que um dos motivos que pesaram para ele se mudar para a terra da família foi a oportunidade de se reconectar com suas raízes. O pai nasceu em Póvoa do Varzim e, desde que emigrou para o Brasil, ainda jovem, nunca voltou a Portugal. Nem a mãe teve a oportunidade de conhecer Vieira do Minho, de onde os parentes dela partiram para o Brasil.
Marques afirma que tem feito descobertas interessantes em Portugal. “Cresci acostumado com a cultura portuguesa, especialmente a culinária, mas tenho aprendido novos termos e novos sabores, o que torna a experiência mais interessante”, ressalta.
O brasileiro assinala que, antes de se fixar em Portugal, onde chegou em 2022, já esteve outras vezes no país a passeio, uma delas, para trazer a avó, Adília, então com 80 anos, que havia seis décadas não tinha contato com a família. “Mas, com certeza, Portugal mudou muito nos últimos anos, está mais cosmopolita e a vida dos portugueses, no geral, melhorou”, acredita.
Se há algo que Marques sente como grande diferença em relação à vida que tinha no Brasil, é a segurança. “Não há lugar perfeito, mas, com certeza, Portugal é mais seguro do que o Brasil. A segurança não tem preço”, dispara.
Busca das origens
Foi a partir da pesquisa sobre o seu passado que Gabriel Dias, 32, se interessou pela genealogia e especializou-se no tema. Ele se dedica a ajudar pessoas que buscam informações sobre familiares em Portugal. “Já são cerca de 500 casos resolvidos em sete anos de atividade profissional. Dependendo da complexidade da busca, em três semanas, a questão estará resolvida”, diz.
Na avaliação dele, sem assessoria técnica, não há como descobrir informações sobre os antepassados. O levantamento genealógico é necessário para muitos brasileiros que pretendem iniciar o processo para requerer cidadania portuguesa. “Há muita gente que quer restabelecer os vínculos familiares, saber de onde vêm”, frisa.
Para quem tenta obter a informação sobre antepassados por conta própria, a pesquisa pode ser confusa. “A maioria das famílias não sabe por onde começar a pesquisa”, afirma Gabriel. Isso porque, antigamente, os nascimentos eram registrados nas igrejas, cujo universo compreendia cerca de 5 mil paróquias.
Bisneto de portugueses nos dois ramos da família, o genealogista identificou que seus parentes viveram na região de Viseu, Norte de Portugal, entre 1890 e 1914. Com a ajuda da tecnologia, ele utiliza plataformas que guardam registros de igrejas e cartórios. “As referências são combinadas e se transformam num trabalho forense, com a utilização da paleografia”, explica. A paleografia é o estudo da escrita antiga.
Para quem estiver interessado em procurar os antepassados, ele sugere que recorra a profissionais. Uma pesquisa dessas pode custar, dependendo do nível de dificuldade, até mil euros (R$ 6 mil).