Em apenas meio século, o planeta testemunhou um declínio de 73% das populações de animais selvagens, revela o relatório Planeta Vivo 2024 da World Wildlife Fund (WWF), divulgado esta quinta-feira. As regiões da Terra que sofreram maior impacto foram a América Latina e as Caraíbas, onde a queda registada entre 1970 e 2020 foi de 95%.
“Não é um exagero dizer que o que acontecer nos próximos cinco anos, entre hoje e 2030, vai determinar o futuro da vida na Terra”, disse Kirsten Schuijt, directora da WWF Internacional, na conferência de imprensa de apresentação do relatório.
O declínio do tamanho médio das populações de vida selvagem deve-se, nesta ordem, à perda ou degradação do habitat (sobretudo desflorestação para uso agrícola), exploração exagerada de recursos, introdução de espécies invasoras, consequências das alterações climáticas e poluição.
Para reverter esta crise da biodiversidadesão necessárias mudanças socioeconómicas profundas que vão além de estratégias locais de conservação da fauna e da flora. “Se quisermos ter sucesso, temos de transformar os nossos sistemas energético, financeiro e alimentar de uma forma que seja justa e inclusiva”, afirmou Daudi Sumba, director da WWF para a conservação.
A região da Europa e da Ásia Central apresenta o menor decréscimo global no período estudado no relatório (35%), seguida da América do Norte (39%). “Isto não significa que a natureza está em melhor estado nessas regiões, longe disso. Na verdade, os impactos ocorreram ali historicamente mais cedo”, refere Andrew Perry, porta-voz da Zoological Society of London, entidade responsável pela elaboração do Índice Planeta Vivo.
O Índice Planeta Vivo é um inventário que avalia, desde 1970, a evolução das populações de vida selvagem na Terra, incluindo 5495 espécies de vertebrados. “Estamos sempre a adicionar novos estudos populacionais ao nosso banco de dados, o que faz dele o mais completo conjunto de dados do mundo”, afirmou Andrew Perry na conferência de imprensa.
Amazónia e Barreira de Coral
O relatório da WWF, que já vai na 15.ª edição, recebeu este ano um título que indica o momento de fragilidade que a biodiversidade atravessa: Um sistema em perigo. Há diferentes exemplos de ecossistemas que estão a aproximar-se de pontos sem retrocesso possível, e a Amazónia é um deles. Os recentes incêndios na floresta tropical brasileira só vieram agravar um cenário que já era preocupante.
“Não é coincidência que o Índice Planeta Vivo tenha identificado que a América Latina testemunhou a taxa de declínio da população de vida selvagem maior do que qualquer outra região desde 1970”, comentou Sandra Valenzuela, da WWF Colômbia. Mas há esperança: “A boa notícia é que podemos evitar este ponto sem retrocesso se actuarmos agora”, avisou.
Outro exemplo preocupante é o da Grande Barreira de Coral na Austrália, que sofreu sete episódios de branqueamento em massa, sendo que cinco deles tiveram lugar nos últimos oito anos. Causado pelo estresse térmico, ou branqueamento dos corais ocorre quando estes animais expulsam as algas coloridas que vivem nos seus tecidos. Sem estas algas “amigas”, os corais tornam-se pálidos e frágeis.
“É disso que estamos a falar quando falamos em alcançar um ponto sem retrocesso: áreas que pensávamos ser resilientes estão agora a tornar-se frágeis face a mudanças sem precedentes”, afirmou Rebecca Shaw, co-autora do relatório.
E os riscos em Portugal?
A edição em português do relatório da WWF, que ao nível nacional está articulada com a Associação Natureza Portugal (ANP), destaca os desafios do país para lidar com a crise do clima e da biodiversidade. O documento sublinha que acção climática “continua aquém das metas” e reivindica “um plano concreto para eliminar todos os subsídios a combustíveis fósseis até 2030”.
“Faltam medidas mais ambiciosas para aumentar a capacidade de sumidouro natural, já que as projecções indicam que será difícil atingir a meta nacional de 13 megatoneladas para o sumidouro de dióxido de carbono no sector do uso dos solos em 2050 – essencial para o objectivo da neutralidade de carbono”, refere o documento.
O relatório sublinha que a Lei do Restauro da Natureza, diploma europeu agora em vigor, deve ser “apoiada por um plano nacional que identifique áreas e espécies prioritárias para recuperação, com financiamento adequado, público e privado”. E expressa ainda preocupação com a manutenção de barragens fluviais obsoletas e discordância com o investimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na barragem de Pisão, que, para a organização ambientalista, “irá destruir biodiversidade e impulsionar um modelo agrícola desadequado e insustentável”
A WWF/ANP reivindica, por fim, que a expansão das renováveis offshore (ou seja, em alto mar) resulte de um processo “criterioso”, “participativo” e “baseado na melhor ciência disponível”, para acautelar possíveis impactos nos ecossistemas marinhos.