A coligação de oposição da Venezuela continua a insistir no reconhecimento do que diz ser a sua vitória retumbante nas eleições presidenciais do mês passado, mas as suas opções estão a estreitar-se à medida que a atenção internacional é atraída para outro lado, dizem fontes da oposição e analistas ouvidos pela Reuters.
As autoridades eleitorais declararam o terceiro mandato do Presidente Nicolas Maduro nas eleições de 28 de Julho, enquanto os resultados recolhidos pela oposição indicam a vitória do candidato da oposição Edmundo González. Várias organizações internacionais e órgãos de comunicação analisaram as actas publicadas pela oposição e concluíram pela vitória de González, e o painel de observadores eleitorais da ONU divulgou na terça-feira um relatório em que afirma que não foram cumpridas as “medidas básicas de transparência e integridade” no processo eleitoral.
“Os relatórios do painel de especialistas da ONU e do Centro Carter, convidados internacionais do CNE [Conselho Nacional Eleitoral] confirmam a falta de transparência nos resultados anunciados e a veracidade das actas publicadas, que demonstra o nosso triunfo indiscutível”, escreveu González na rede social X esta quinta-feira. “A vontade do povo de mudar em paz e viver melhor […] é sagrada e deve ser respeitada”.
Após o anúncio, pelo CNE, da reeleição de Nicolás Maduro, manifestantes saíram às ruas por todo o país, denunciando a fraude eleitoral. Os protestos, classificados pelo Governo como violência fascista, já mataram pelo menos 23 pessoas e levaram a cerca de 2.400 prisões.
É um cenário familiar para a Venezuela, onde protestos, sanções e a declaração de uma presidência interina liderada pela oposição e reconhecida pelos países ocidentais não conseguiram desalojar Maduro nos últimos anos. Com os líderes militares a prometerem apoiá-lo, as vias de progresso da oposição parecem limitadas.
Para já, a oposição está a centrar a sua resposta na exigência de publicação dos resultados completos da votação, de acordo com quatro fontes da oposição que não quiseram ser identificadas. Estas fontes afirmaram que a oposição está aberta a negociações com o partido no poder e esperam que a pressão internacional possa eventualmente dar frutos.
González e a líder da oposição María Corina Machado, que liderou a sua campanha, também apelaram aos apoiantes para manterem os protestos, com Machado a lançar a ideia de possíveis incentivos para que as figuras do partido no poder deixem o poder.
Até agora, o Governo recusou-se a entrar em conversações “porque dentro do partido no poder não há uma posição acordada”, disse Machado aos jornalistas esta semana. “Há grupos que estão claramente dispostos a negociar e a pressionar para que isso aconteça, e outros que não estão, que estão entrincheirados e dispostos a fazer qualquer coisa.”
Os resultados na posse da oposição e publicados on-line mostram que González obteve cerca de 7 milhões de votos, mais do dobro dos 3,3 milhões de Maduro. Os números estão de acordo com as sondagens de fontes independentes.
O Conselho Nacional Eleitoral não publicou os resultados completos, mas afirma que Maduro venceu com cerca de 51% dos votos. O seu site está em baixo desde as primeiras horas do dia 29 de Julho.
O Tribunal Supremo da Venezuela – considerado pela oposição como um braço do partido no poder – disse que ainda está a verificar os resultados, mas que a oposição não apresentou provas da sua vitória.
O Governo também ainda está a rever os seus cálculos sobre o número de votos que a oposição poderá ter recebido, disse uma fonte próxima do partido no poder, que não quis ser identificada.
“Um diálogo teria de reconhecer um processo eleitoral em que a oposição fosse a vencedora”, disse Maria Isabel Puerta, professora de ciência política no Valencia College da Florida, acrescentando que os conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia poderiam desviar a atenção internacional da Venezuela.
Pressão internacional
Uma fonte da oposição disse estar confiante de que o Brasil, a Colômbia e o México podem exercer pressão sobre Maduro, mas “a pressão interna não deve cessar”.
Os Estados Unidos, a Argentina e o Chile, entre outros países, têm exigido repetidamente que o governo publique os relatórios completos, enquanto o Brasil, a Colômbia e o México – cujos líderes têm sido tradicionalmente mais amigáveis com Maduro – estão a trabalhar para estabelecer conversações entre Maduro e González.
Mas as nações ocidentais, cautelosas com os anteriores fracassos diplomáticos, têm dado poucos sinais de que planeiam implementar rapidamente medidas mais duras, incluindo novas sanções, em resposta ao diferendo. A Rússia, a China e outros países felicitaram Maduro pela sua vitória.
“Sinto que pelo menos a vontade de não ter fechado completamente o canal [de comunicação] com Brasil, México e Colômbia é um bom sinal e esperamos ver o que acontece nesta semana, que acho fundamental”, disse María Corina Machado, que descarta a possibilidade de repetir a eleição, segundo disseram duas fontes diplomáticas à Reuters esta semana.
Questionado na semana passada se aceitaria conversar com Machado, Maduro disse que ela deveria falar com a Procuradoria-Geral da República, que a está a investigar, assim como a González. “Ela deve entregar-se à justiça, mostrar a cara e responder pelos crimes que cometeu. Essa é, na verdade, a única negociação que se encaixa”, disse.
O gabinete do procurador-geral anunciou na semana passada um inquérito crime contra os líderes da oposição por incitarem a polícia e os oficiais militares a violar a lei, conspiração e outros crimes.
A oposição “evidentemente ganhou, mas não tem a capacidade de fazer valer a sua vitória. O Governo perdeu e está a tentar impor-se pela força, o que pode conseguir, mas a um custo elevado”, disse Ricardo Rios, director da empresa de consultoria Poder y Estrategia, de Caracas. O isolamento internacional pode prejudicar investimentos já fracos, disse Rios, enquanto governar por meio da repressão pode aumentar a instabilidade.
Entretanto, as manifestações continuaram, com uma participação reduzida que os opositores atribuem ao medo de serem detidos. Machado e González apelaram a mais marchas no sábado.