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É grande a expectativa em torno da COP30, que será realizada em Belém do Pará, em novembro, sobretudo diante das emergências climáticas, marcadas por eventos que têm provocado estragos mundo afora. Ao mesmo tempo que os organizadores da Conferência do Clima tentam manter o interesse pelo encontro, diante da decisão de Donald Trump de tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, o Brasil têm de lidar com problemas gravíssimos, como a invasão da Amazônia pelo crime organizado.
Marcelo Thomé de Almeida, 50 anos, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO) e presidente do Instituto Amazônia+21, afirma que o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho estão invadindo áreas indígenas, que deveriam estar preservadas, para extrair ouro e diamante. “Os garimpeiros ilegais, inclusive, enviam vídeos aos indígenas com quilos de pedras preciosas extraídas. Se, antes, os grandes problemas nas aldeias eram o alcoolismo e a prostituição, agora, é o narcotráfico”, assegura ele, que é vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Marcelo Thomé de Almeida, presidente do Instituto Amazônia+21, acredita que a região Amazônica pode ter um desenvolvimento sustentado
Arquivo pessoal
Ele diz acreditar em um engajamento cada vez maior de empresários e produtores agrícolas na defesa do meio ambiente, pois a “água está chegando no pescoço de todos”, o que se mede pelas perdas de safras agrícolas, que elevam os preços dos alimentos, e pelo recuo da produção. “É urgente enfrentar as mudanças climáticas para continuar garantindo produção e mercado. Do contrário, a economia vai entrar em declínio, é fato”, avisa.
Almeida destaca, ainda, que a cidade de Belém não deve passar por uma “maquiagem” para receber os cerca de 40 mil participantes da COP30, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Para desconstruir um pouco esse imaginário romântico, que permeia a opinião pública nacional e estrangeira, de que a Amazônia é bucólica, linda e que deve ser preservada como se fosse um Simba Safári em São Paulo. Não é. São 30 milhões de brasileiros convivendo com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, sem saneamento, sem destinação adequada de lixo, e 70% desses 30 milhões vivem em cidades que têm uma agenda do século XIX a ser superada”, sublinha.
O empresário, que há 25 anos trocou o Rio de Janeiro por Rondônia, não perde a esperança. “Acredito no Brasil, acredito na Amazônia e acredito que a inteligência humana vai superar a mediocridade e o negacionismo”, afirma. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao PÚBLICO Brasil.
Aldeias indígenas sofrem com o garimpo ilegal
Nuno Ferreira Santos
Há uma expectativa grande em torno da COP30 e, coincidentemente, no início deste ano, com a posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, a maior economia do planeta saiu do Acordo de Paris. O mundo já vinha acompanhando uma série de fiascos nas COPs. Qual é a sua expectativa em relação à conferência no Brasil?
Pela função que desempenho na CNI, tanto na condição de vice-presidente, quanto na de presidente do Conselho Temático de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Coemas), já participei de seis COPs. Teve até um processo evolutivo, muito significativo, na medida em que a primeira COP que eu fui, em 2018, em Katovice, na Polônia, não havia uma aderência do Painel do Clima ou da compreensão de oportunidades ligadas à mudança climática com a agenda da CNI. Buscamos mostrar que a agenda da indústria verde é uma enorme agenda de oportunidades. Então, isso vem ganhando tração. Tanto é que, em Glasgow, na Escócia, em 2021, foi a primeira COP em que o presidente da CNI foi. Nós fizemos um investimento forte, da CNI e do Governo Federal, para a entrega de um estande na Zona Azul (Blue Zone).
Essa parceria se manteve fortalecida para a COP seguinte, em 2022, em Sharm El-Sheikh, no Egito, onde fomos experimentando outras possibilidades. Realizamos um evento paralelo num hotel, que foi o Dia da Indústria Brasileira na COP, e foi um enorme sucesso. Pudemos atrair todo o público industrial brasileiro e os investidores estrangeiros para um diálogo propositivo. De lá para cá, essa agenda só cresce. Na última COP, em Baku, no Azerbaijão, além de apoiarmos o estande brasileiro do Governo, mais uma vez, tivemos o stand da CNI e, pela primeira vez, na Zona Verde (Green Zone). Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em 2023, havia sido na Zona Azul também. Estamos experimentando possibilidades. É uma agenda que hoje está muito grande na medida em que não só as lideranças empresariais brasileiras entenderam que essa é uma agenda crítica de sucesso, mas eu diria que o empresário brasileiro entendeu que precisa fazer um ajuste de rota até para garantir mercado e acessar melhores financiamentos.
Sobre a pergunta em relação ao desembarque dos Estados Unidos do Acordo de Paris, vou ser muito sincero. Não estou nem um pouco surpreso com todos os anúncios que Trump vem fazendo. No primeiro mandato, ele fez a mesma coisa. Trump não demonstra ter aderência à agenda de clima e ao multilateralismo. Sem dúvida nenhuma, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris enfraquece a agenda de negociação, é fato. Mas, também, nos dá a oportunidade e quase que a obrigação, enquanto setor privado brasileiro e global, em substituição aos governos ou buscando preencher esse espaço, de colocarmos pressão na agenda de implementação. Acho que a COP30 deverá marcar, definitivamente, a transição de uma agenda que vem dando muito foco à negociação para a de execução. São milhares de pessoas reunidas anualmente para decidir uma frase, um ponto do acordo, é uma negociação extremamente lenta. No meu olhar de empresário, isso é absolutamente improdutivo porque é um esforço gigantesco para o resultado que produz.
A diversidade da floresta Amazônica está ameaçada pelo desmatamento
Nuno Ferreira Santos
Acho que chegou a hora, até pela urgência das mudanças climáticas e dos eventos extremos, que a agenda de implementação se fortaleça. Eu diria que estamos num momento ótimo de posicionamento e de compreensão das oportunidades porque, no dia 10 de março, a CNI lançou um grande movimento global das organizações que representam o setor privado mundo afora chamada Sustainable Business COP (SBCOP). Essa é a proposta, já está desenhado com governança estabelecida, engajamento das congêneres mundo afora. E vai acontecer ao longo de 2025 e será entregue na COP30, a mobilização do setor privado, que tem mandato, não são as associações ou as agremiações nas quais, voluntariamente, os empresários se unem. Mas, sim, as entidades que têm mandato para falar sobre indústria, sobre setor privado, mobilizadas para a agenda de implementação.
O que é esse movimento, essa agenda?
É uma agenda que busca construir posicionamentos do setor privado global para sensibilizar os chefes de Estado a tomarem decisões que favoreçam a economia, que favoreçam a iniciativa privada.
O senhor não acha que está sendo criada uma expectativa positiva demais em relação à COP30?
Criança indígena desnutrida por causa da devastação e do garimpo ilegal na floresta
AMANDA PEROBELLI
Essa proposta da CNI não é para a COP30. Ela se inicia na COP30, mas é longeva. A ideia é que caminhe de forma síncrona a partir da COP30, enquanto tiver Painel do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas). No próximo ano, se for na Turquia ou na Austrália, as entidades dos países que acolherão a COP, as entidades privadas realizarão o mesmo movimento que o Brasil inicia agora. Especificamente, sobre o evento, temos muito mais preocupações e incertezas do que expectativas positivas.
O senhor acha que a COP30 é a mais importante de todas por causa do avanço da crise climática?
Eu não sei se a COP30 vai ser a mais importante. Isso tem um pouco de expectativas infladas. Mas já há uma compreensão global da urgência em se tratar do tema. Por isso, reforço a importância do setor privado. Se os governos têm produzido pouco resultado para a agenda de enfrentamento às mudanças climáticas, chegou a hora da sociedade civil e dos empresários tomarem parte dessa agenda com absoluta responsabilidade. Sem dúvida nenhuma, a ciência estava errada. E não falo aqui pelo negacionismo, mas porque a expectativa de incremento da temperatura foi subdimensionado, já passou de um grau e meio. Já faz uns dois ou três anos que estamos falando sobre isso. Estamos sentindo na pele que a temperatura do planeta subiu, principalmente para quem vive na Amazônia.
Isso afeta não só as nossas vidas, mas a capacidade de continuar produzindo. E é óbvio que empurra o setor privado a assumir compromissos, porque a agricultura e a pecuária têm sofrido perdas, a capacidade das indústrias de continuarem produzindo e acessando mercados, também. Numa lógica econômica, é urgente enfrentar as mudanças climáticas para continuar garantindo produção e mercado. Do contrário, a economia vai entrar em declínio, é fato. Estou trazendo apenas uma dimensão que é a mais premente em relação à sensibilização e ao engajamento do setor privado. O que temos visto e experimentado é um esforço, uma disposição de empresas, de empresários e até mesmo do setor financeiro que, tradicionalmente, não se engajavam, não davam muito bola para o tema, seja porque a COP é no Brasil, seja porque a água está chegando no pescoço. O cara falou: ‘Opa! O que eu faço? Como posso agora contribuir para salvar inclusive o meu negócio?’. Se é por consciência ou por interesse econômico, o fato é que a mobilização está crescendo. E quem está estruturado para entregar algo concreto, vai aproveitar essa oportunidade para poder juntar mais pessoas numa mesma direção.
Incêndios têm sido constantes na Floresta Amazônica
Adriano Machado
Há um negacionismo no mundo em relação à questão climática. Uma parcela da população diz que não tem efeito estufa, por exemplo. Vimos, depois da posse do Trump, empresas acabando com políticas de gênero, retrocedendo em várias conquistas. Isso também não pode ocorrer na questão climática? Essa questão ideológica não pode pôr em risco esse engajamento?
Tem gente que acha que a Terra é plana. É uma pena ter aqui um evidente retrocesso civilizatório, na medida que se abre mão de algumas conquistas da agenda de inclusão, da agenda de uma sociedade plural e diversa. E o Brasil passou, recentemente, por lideranças que, no governo anterior, negavam por completo essa agenda. Creio que o desafio de toda e qualquer sociedade é buscar o equilíbrio entre essas demandas, sejam sociais, sejam econômicas e ambientais. Essa é a essência, inclusive, da agenda ESG, que o setor financeiro criou, mas que, em parte, deu uma desembarcada, recentemente, porque é caro, é complexo, principalmente nas questões sociais. Operar isso em diferentes países, que têm diferentes tecidos sociais e culturais, não é trivial, é muito complexo. E porque estava ficando caro e de difícil calibragem e métrica. Para parte do setor financeiro foi mais fácil falar: ‘Olha, a gente, agora, não quer mais saber desse negócio não’. Não estamos conseguindo atender à dimensão social da agenda.
Como vê a relação de Trump com os empresários norte-americanos?
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que não quer uma Belém do Pará “maquiada” para a COP30
Ricardo Moraes/ Reuters
Eu diria que tem um grupo empresarial que elegeu Trump, e há um posicionamento claro e um compromisso de retorno a esse grupo que financiou a campanha dele. Os demais empresários, que perderam a eleição, continuam demonstrando compromisso com a agenda ambiental e social. Digo isso porque o governo americano anunciou o desembarque do Acordo de Paris e, consequentemente, deixou de pagar a cota que cabe aos Estados Unidos. O (Michael) Bloomberg, mais uma vez, em poucos dias, disse: ‘Se o governo americano não paga, eu pago’. E está pagando. Trump ganhou a eleição defendendo uma plataforma, um projeto que, a curto prazo, pode ter sucesso. Agora uma opinião muito pessoal: a médio e a longo prazos, os Estados Unidos correm sério risco de perder a relevância global pelo enfraquecimento da agenda multilateral.
A democracia americana foi pensada, e os fundamentos que criaram os Estados Unidos são o multilateralismo, o acolhimento aos imigrantes, que, aliás, é a cara do país. A médio prazo, os EUA, possivelmente, terão pressão inflacionária com todas as sobretaxas de importação. Isso vai pressionar a economia americana (que já dá sinais de recessão), a inflação e algumas ocupações profissionais que o americano não se dispõe a fazer e que hoje é comumente ocupada por imigrantes, legais ou ilegais. Eu diria que a médio e a longo prazos, todas as ações do Trump podem surtir efeito negativo. E não acho que o setor privado seja uno em lugar nenhum do planeta. Até mesmo no setor industrial brasileiro, o que interessa ao setor de óleo e gás muitas vezes não interessa ao de etanol, e vice-versa. Há conflitos de interesses econômicos em diferentes setores industriais. Isso é da natureza do que fazemos e defendemos.
Esse retrocesso não vai descambar para o clima?
Já descambou, na medida que o presidente dos Estados Unidos desembarca do Acordo de Paris, que está num esforço evidente de fechamento da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que é um instrumento que corresponde a cerca de 40% da filantropia global. É evidente o prejuízo que traz na agenda da diplomacia, na agenda de governos. Por isso, reforço, não sei se é a esperança que nos move, mas o papel do setor privado fica cada vez mais evidente e mais urgente que esse embarque ocorra de forma contundente. E, principalmente, o consórcio entre o setor privado e o financeiro para destravar os instrumentos e os mecanismos de financiamento climático. Isso, sim, até hoje foi só anúncio e blábláblá. Do lado de lá ninguém fez o cheque, todas as ações de financiamento climático foram muito tímidas.
Qual é o papel do Brasil nesse contexto?
É de superar seus problemas internos. É construir um posicionamento claro de compromisso à agenda, de transição energética, de fortalecimento de uma indústria verde, de preservação e de conservação das florestas, eliminando o desmatamento no país. E enfrentando a expansão do crime organizado, que começa a tomar uma parte significativa do território amazônico. O Brasil tem as maiores vantagens comparativas e competitivas para ser o líder da agenda global de sustentabilidade. Agora, não podemos ficar refém de corrupção, de emendas PIX (repasses de dinheiro público feitos pelo Congresso sem qualquer controle), de desentendimentos internos, que impedem o avanço na agenda.
O presidente Lula falou que, “agora, vamos discutir a importância da Amazônia dentro da Amazônia. Vamos discutir as questões indígenas vendo os indígenas”. Qual o impacto dessa declaração?
O futuro das crianças indígenas está em jogo
Nuno Ferreira Santos
Acho que é uma abordagem reducionista chamar de COP da Amazônia na medida em que os problemas de mudanças do clima afetam o globo, afetam o Brasil em todos os seus biomas, em todos os seus territórios. Um exemplo é o que aconteceu no Rio Grande do Sul, no ano passado (m alagamento sem precedentes). É o que tem acontecido em diferentes regiões brasileiras e no mundo afora. Olha o que aconteceu na Califórnia (com os incêndios). Sendo muito sincero, hoje, estou mobilizado para a Amazônia, mas não pode tratar como COP da Amazônia, é COP na Amazônia, e não da Amazônia. É um erro estratégico, porque pode diminuir bastante até o apetite do estrangeiro em vir para o Brasil. Ele vai pensar: ‘Ah se for para discutir só a Amazônia, não quero, nem vou para lá’. É jogar contra ao nosso esforço de ter uma COP ampla, plural, diversa e que reafirma a possibilidade do Brasil de liderar esse processo em nível global, e não só para a Amazônia. Obviamente, a Amazônia é um símbolo em si mesmo, seja pela questão dos povos originários, seja pela maior floresta tropical do mundo ainda de pé, pela maior biodiversidade. Todos os predicados da Amazônia são superlativos.
Sem dúvida nenhuma ter uma COP na Amazônia e mostrá-la como verdadeiramente é, essa é a grande oportunidade. Há tempos escrevi um artigo defendendo que a COP fosse em Belém, e que não deveríamos maquiar tanto a cidade para também desconstruir um pouco esse imaginário romântico, que permeia a opinião pública nacional e estrangeira, de que a Amazônia é bucólica, linda e que deve ser preservada como se fosse um Simba Safári em São Paulo. Não é. São 30 milhões de brasileiros convivendo com o menor IDH, sem saneamento, sem destinação adequada de lixo, e 70% desses 30 milhões vivem em cidades que têm uma agenda do século XIX a ser superada. A Amazônia carrega um atraso de infraestrutura secular. Mas vamos mostrar os desafios de ter a Amazônia preservada, digna e próspera, enfrentando as questões tanto das áreas de floresta, mas igualmente das cidades, dos núcleos urbanos, que carregam talvez as principais mazelas.
O próprio presidente Lula declarou que Belém não vai passar por nenhum tipo de “maquiagem”, que as pessoas vão ver a cidade como ela realmente é.
Acho que foi uma declaração lúcida. Alguns investimentos importantes estão sendo feitos na cidade de Belém, como no aeroporto, no espaço da COP, no local para hospedagem das missões diplomáticas. De forma assertiva, os investimentos estão sendo feitos para garantir uma infraestrutura mínima para organização da Conferência. Mas, mesmo que ele quisesse (fazer uma “maquiagem” na cidade), seria impossível. Belém tem um problema seríssimo de saneamento, não dá tempo de fazer. Quem for a Belém vai ver problema de saneamento, de drenagem superficial, de mobilidade urbana.
A floresta de pé da lucro. É preciso preservá-la
Nuno Ferreira Santos
Em um artigo, o senhor reclamava que o Governo não tinha nomeado ninguém para presidir a COP. Agora tem o embaixador André Corrêa do Lago. Veio tarde essa nomeação?
É um excelente nome, mas veio tarde. Isso era para ter sido definido antes da COP de Baku para que ele, já no mandato de presidente da COP, construísse relacionamento para a COP30 no Brasil. Foi tardio. Como está sendo tardia a escolha do champion, que faz a interlocução com o setor privado e a sociedade civil. O Brasil está demorando. Isso faz parte do que eu falei que precisamos nos entender internamente. O próprio Governo, com interesses diversos e grupos políticos pressionando, tem atrasado o estabelecimento da governança da COP30, que vai produzir e entregar a Conferência. A partir daí, definitivamente, vamos saber o que fazer, com quem falar e como destravar todos osaspectos que envolvem uma COP. Sim, o Brasil está jogando atrasado esse jogo. É uma pena.
Com os Estados Unidos afastados da agenda climática, qual é o papel da União Europeia? Hoje não há uma liderança. Desde a saída de Angela Merkel, à frente da Alemanha, não vemos um líder europeu despontando para ocupar esse espaço, e a própria UE reconhece que vem perdendo espaço nesse contexto geopolítico.
É um papel central. Agora, a Noruega é o maior investidor do Fundo Amazônia, mas ampliou a exploração de óleo e gás. Então, igualmente, a Europa precisa superar uma agenda que é conflitante, interna, porque o posicionamento de seus líderes europeus é diferente do que têm feito e praticado as empresas europeias. Países europeus se colocam contra a exploração (de petróleo) pelo Brasil na Margem Equatorial (região Amazônica), mas as empresas europeias estão explorando essa jazida no Suriname e na Guiana, vizinhos do Brasil. Falta unidade de que o discurso se reflita na prática. E, falando objetivamente, acho que os espaços abertos pelo recuo da agenda multilateral americana será ocupada por China e pelos países árabes. Por que os países árabes? Esses, sim, têm demonstrado compromisso com transição energética. Suas economias todas são fundamentas em óleo e gás, contudo, já entenderam que precisam virar o jogo e buscar alternativas. Eu acho que China e países árabes vão ocupar, principalmente, o espaço da falta de uma liderança europeia que estabeleça o contraponto em relação à agenda americana.
É um problema ver uma Europa enfraquecida, pois é um contraponto importante, porque acabam com dois blocos, a China e os Estados Unidos, e não tem um terceiro agente para dar essa equilibrada e realmente fazer valer o multilateralismo.
A Europa está passando por um problema seríssimo, principalmente do ponto vista energético. A indústria alemã, por exemplo, está ladeira abaixo, porque o fim do fornecimento do gás russo, a um custo baixo E e a exigência de manter suas fábricas funcionando e o aquecimento fornecido à população, faz com que o país use qualquer matriz, qualquer fonte energética. Aliás, escutei isso em Sharm El-Sheikh de uma liderança alemã. O que isso ocasionou? O custo da produção alemã, o produto alemão, apesar de ser em algumas áreas o melhor do planeta, perdeu competitividade porque está caro por causa da matriz energética. Indústrias alemãs hoje estão com a carteira de pedidos vazias, ou seja, a locomotiva europeia está parando.
Saíram os dados do PIB da União Europeia e os dois países ibéricos, Portugal e Espanha responderam por 50% do crescimento da região, puxado pelo turismo. Portugal não teve problema com a suspensão do gás russo, porque o fornecimento energético, em grande maioria, vem da energia solar e da energia eólica. Como vê isso?
Há diversos países que têm demonstrado maior resiliência a essas variações geopolíticas. A verdade é que, quanto menos sofisticação a economia do país tem, mais resiliência apresenta, por incrível que pareça. Países com maior complexidade econômica têm sofrido muito mais essa flutuação.
Uma floresta de pé dá lucro?
É importante entender como uma floresta de pé dá lucro, senão a floresta vai ser derrubada, o ouro vai ser roubado e esse território vai ser ocupado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e pelo Comando Vermelho. É o que está acontecendo nas áreas que não têm projeto de desenvolvimento econômico. Onde a (mineradora) Vale opera, fortemente criticada, ela impacta apenas 2% do território, e, nos outros 98% a empresa é obrigada, pelas regras do país, a preservar, a desenvolver pesquisa e a gerar rendas para as comunidades que ali vivem. Fala-se pouco sobre isso. Nós olhamos para o dano ou para o impacto, melhor dizendo, que o negócio produz. Agora, falamos muito poucos dos ganhos que uma operação como o dessa mineradora, de enorme escala produz, para a região, tanto em empregos quanto em preservação, desenvolvimento de tecnologia, pagamento de impostos e tantas outras externalidades desse tipo de negócio. Na esteira da bioeconomia, em escala industrial, temos muito pouco. Talvez, o único e melhor exemplo seja a Natura, que, paulatinamente, vem desenvolvendo e ampliando, inclusive, a agregação de valor que produz na própria Amazônia para além da coleta de insumos nas comunidades.
Precisamos ter mil Naturas operando na Amazônia em diferentes frentes, seja em cosméticos, seja com medicamentos, tecidos e tantas outras possibilidades que a floresta nos oportuniza, incluindo a população nesses negócios, porque, se antes, a mazela dos povos originários era o alcoolismo e a prostituição, hoje, é o narcotráfico. É real, e estamos falando pouco sobre isso. O Estado brasileiro ainda não entendeu a gravidade desse problema para enfrentá-lo. Para que tudo seja possível, a estratégia do Instituto Amazônia+21 de converter potencial em negócio, gerando emprego e renda, dignidade, prosperidade, novas soluções tecnológicas e novas cadeias produtivas, inclusive, procuramos uma outra ação. É uma facilities de investimento sustentável, que entra em operação em 1º de abril, e que é simplesmente uma estrutura que conecta dinheiro a empreendimentos.
O camarada do setor financeiro brasileiro que está (Avenida) Faria Lima (em São Pauo) não tem a menor noção do desafio que é operar a Amazônia. O nosso objetivo — por isso,o nosso escritório fica próximo à Faria Lima —, é levar as oportunidades da Amazônia para perto do dinheiro, e o mecanismo agora são as facilities de investimento (para a captação de recursos). E não só do setor financeiro brasileiro, mas da filantropia global, de bancos multilaterai. Tem muita gente dedicada ao tema, muitas horas de trabalho buscando, em nível global, as melhores soluções para destravar o tal do financiamento climático. Como é que garanto que o dinheiro vai chegar num empreendimento, numa comunidade, numa startup da Amazônia e produzir impacto e efeito, e não ficar no meio do caminho.
É muito fácil desviar o dinheiro do caminho que deveria seguir…
O Brasil tem um problema sério de corrupção endêmica. Mas, tirando a corrupção de lado, temos um conjunto do terceiro setor com compromisso e com agenda, ainda que bacana, na Amazônia, mas que tem produzido pouco efeito, porque, muitas vezes, é um custo muito alto. Tem a operação, mas não tem escala nem capilaridade. Então, consome uma parte significativa do dinheiro que deveria ir para a ponta. Somando as nove federações de indústrias da Amazônia, cobrimos 95% do território, e o nosso parceiro para implementar o projeto na região não é o Instituto Amazônia+21. Então, a nosso favor e à nossa disposição, temos uma estrutura que é privada, dirigida por empresários que não têm paralelo no Brasil, que não têm paralelo na Amazônia. Isso nos dá uma vantagem comparativa significativa para garantir que o dinheiro aportado nas facilities vá para o projeto, porque o nosso custo de operação é pequenininho.
Há uma meta de captação de recursos por meio dessas facilities?
Na primeira etapa, a fase pré-operacional, a meta era de R$ 20 milhões (3,3 milhões de euros), vamos bater algo entre R$ 45 milhões e R$ 50 milhões (7,5 milhões e 8,3 milhões de euros).
O dinheiro é para preservação e gerar negócios que preservem a Amazônia?
É para o desenvolvimento econômico, que gera conservação. Queremos ampliar a cobertura florestal. Uma das principais agendas que carregamos ou defendemos é a de restauro florestal. Precisamos recompor a floresta na Amazônia por diversos motivos e mais um: recuperar a umidade na Amazônia. Há 25 anos, quando cheguei na região, era impensável que Rondônia sofresse com escassez hídrica. No ano passado, o município de Pimenta Bueno não tinha água para consumo humano.
Dá para ter esperança em relação à questão climática?
Absolutamente, sim. É tudo que eu faço 24 horas por dia, sete vezes por semana. Acredito no Brasil, acredito na Amazônia e acredito que a inteligência humana vai superar a mediocridade e o negacionismo, sem dúvida nenhuma. Tem muita gente boa mobilizada e com compromisso. O problema, me desculpe, não é uma crítica, é que o espaço de comunicação gosta das notícias ruins e oportunizam pouco espaço para as boas notícias. Esse momento que vocês oportunizam para falarmos de uma agenda positiva, carregada de propósito, é ímpar. Porque, normalmente, é Trump, é guerra na Ucrânia, é corrupção no Congresso, são agendas negativas que ocupam o espaço da mídia.
O senhor citou que, antes da chegada das facções criminosas, o alcoolismo e a prostituição eram os grandes problemas entre os povos originários. Mas eles continuam presentes, não?
Esse é mais um tema que eu coloco na mesma cesta do que precisamos resolver. A questão indigenista no Brasil está completamente superada. Temos que ter uma nova abordagem em relação a isso. Tem parte da nossa equipe do instituto que está hoje numa comunidade chamada Paiter Suruí. É uma área que fica entre Rondônia e Mato Grosso. Eles estão com problema sério hoje de garimpeiros ilegais roubando as riquezas desse povo. Para afrontar as lideranças indígenas, um garimpeiro fez um vídeo e mandou para eles com uma bacia com pedras totalizando 50 quilos de diamantes. O fato da legislação brasileira proibir mineração em terra indígena não significa que não ocorra. Se ela ocorre à revelia da legislação, não devemos sentar de forma madura e propositiva para rediscutirmos como garantir que essa riqueza gere valor para os povos originários e para o país? Essa é provocação que eu faço.
O fato de, no Brasil, o garimpo em terras indígenas ser proibido não significa que não acontece, pelo contrário. Acho que precisamos ter um novo marco regulatório em torno dessas questões, que são estruturantes e são críticas, porque algumas agendas só pioram. Agora, a opinião pública não facilita uma discussão madura e propositiva, porque, se eu defendo mineração em terra indígena, eu sou maluco, vão me chamar de criminoso. Mas isso está acontecendo hoje. Em toda a Amazônia tem ouro, pedras preciosas, diamantes sendo extraídos de formal ilegal. Isso, inclusive, financiando o Comando Vermelho e o PCC. E aí, tudo bem? Não, eu acho que não está bom e precisamos encontrar um novo caminho. É isso que eu defendo.
O que faz um carioca na Amazônia?
Vivo em Rondônia há 25 anos. Saí do Rio de Janeiro e, ao longo desse período, até como hobby, pude rodar muito a Amazônia brasileira, as Guianas, enfim, a América do Sul inteira. Mas, olhando para essa região, um carioca desbravando a fronteira, encantado com a exuberância da floresta, também fiquei chocado com a miséria do povo. Não é possível, isso tem de ser o contrário. É triste afirmar que muitas dessas comunidades, quando eu volto, estão piores hoje do que estavam há 10, 15 anos. Se existe uma Amazônia que se desenvolve, principalmente nas cidades maiores e no campo, ainda que a agricultura e a pecuária possam ser um pouco controversas, a verdade é que esses eixos econômicos geram prosperidade e dignidade humana.
Em contrapartida, nas áreas florestais mais preservadas, o que se tem é a pior expressão da miséria humana de atraso e abandono. Entender essas diferentes Amazônias e pensar soluções que reconheçam essas diferenças é a proposta do Instituto Amazônia+21, que surge primeiro do compromisso do empresário local em enfrentar essa agenda de atraso que impacta a vida de muitas pessoas. E isso se deu por meio das federações de indústrias da região, dos nove estados que compõem a Amazônia legal mais a CNI. Então, já faz três anos que estamos nessa agenda, mobilizando o setor privado brasileiro para nos apoiar a desenvolver projetos de desenvolvimentos sustentáveis, para geração de emprego na Amazônia. Para entender, a partir das potencialidades econômicas do bioma amazônico, que negócios podemos desenvolver com forte componentes de inovação, atraindo capital, mobilizando lideranças empresarias, com mandato ou de grandes empresas para destravar a agenda de negócios na região, negócios verdes, sustentáveis. E uma afirmação que eu aprendi vivendo aqui: somente o desenvolvimento econômico permitirá a preservação da floresta.