COP16 da Biodiversidade arranca na Colômbia com muita conversa e pouca acção


É num contexto de guerras e crise global que arranca nesta segunda-feira a COP16, a Cimeira Biodiversidade das Nações Unidas, que tem lugar em Cali, na Colômbia, até 1 de Novembro, sob o lema “Paz com a natureza”. Perante uma tripla crise ambiental — alterações climáticasperda de biodiversidade e poluição —, esta será a primeira de uma série de conferências da ONU que acontecem até o fim do ano, com a liderança colombiana empenhada em garantir bons resultados que tragam ímpeto para as cúpulas do clima e da desertificação.

“Esta é uma COP da realização”, assegurou Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em coletiva de imprensa durante a Cúpula do Futuro, em setembro.

Entre as prioridades da Colômbia, estão “implementação, integração e investimento”, incluindo a adopção dos mecanismos e procedimentos para a monitorização e revisão dos planos nacionais de biodiversidade que, em teoria, teriam de ser apresentados até esta COP16.

Nesta 16ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB, na sigla em inglês) está confirmada a presença de mais de 100 ministros e, de acordo com Muhamad, uma dúzia de chefes de Estado —​ incluindo Lula da Silva, do Brasil, e Claudia Sheinbaum, do México —​, assim como do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. A ministra portuguesa do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, ficará em Portugal com seus secretários de Estado para a discussão do Orçamento do Estado, com o país representado em Cali pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

A COP depois “da” COP

Esta COP16 carrega o fardo de ser a primeira que se segue a um momento histórico. O Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF) aprovado na COP15, em Montreal, é considerado “o Acordo de Paris da biodiversidade” (se bem que tenha valor jurídico diferente), com a meta emblemática de proteger 30% do território até 2030. Trata-se do “mais ambicioso, o mais detalhado e o mais mensurável de todos os planos para a biodiversidade assinados até hoje”, descreve Marco Lambertini, antigo diretor da organização WWF.

Dois anos depois da aprovação do GBF, contudo, o empenho dos países na aplicação das 23 metas de Kunming-Montreal parece insuficiente. À hora de fecho desta edição, 102 países tinham submetido metas avulsas, mas apenas 31 submeteram estratégias e planos de biodiversidade nacionais (NBSAP) actualizados, como tinha ficado combinado na COP15, o que corresponde a 16% dos 195 países da CBD. Estão ausentes regiões importantes para a biodiversidade, como a América do Sul ou África (onde os países apresentaram metas, mas não planos). Os EUA não são subscritores desta convenção.

Ao contrário de outros países da UE que enviaram seus documentos nacionais, Portugal não tem um plano de ação pronto, como noticiou o Azul. Além dos países, a União Europeia, que é a 196ª “parte” que aderiu à Convenção, submeteu sua Estratégia de Biodiversidade e um conjunto de metas.

Espera-se que mais países anunciem os seus planos durante a própria cimeira, se bem que alguns actores importantes, como o Brasil, só deverão fazê-lo depois da COP16.

Nina Mikander, directora de políticas da Birdlife International, adapta os versos de Elvis Presley para fazer um ponto da situação: “Precisamos de um pouco menos de conversa, muito mais ação” (um pouco menos de conversa, muito mais acção).

Ameaças existenciais

Uma análise do site Carbon Brief nota que, infelizmente, “ainda não houve nenhuma meta atingida em matéria de biodiversidade até hoje”. Isso acontece em um contexto que muitos cientistas têm caracterizado como a “sexta extinção em massa”.

A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) indica que cerca de 45 mil espécies estão sob ameaça de extinçãoentre as mais de 163 mil analisadas para construir sua “lista vermelha”. A ação também é escassa: um relatório publicado na quinta-feira por um grupo de ONGs revelou que apenas 2,8% dos oceanos do mundo são protegidos de forma “eficaz”. No ritmo atual, esse valor não atingirá 10% até 2030.

São cada vez mais as vozes que alertam que a margem de ação está se tornando cada vez mais tênue. “Estamos vivendo em tempos sem precedentes de ameaças existenciais. São tempos de escolhas e de lidar com as consequências de nossas escolhas”, conclui Marco Lambertini, atual organizador da Nature Positive Initiative, em coletiva de imprensa organizada pela agência Greenhouse. “Estamos passando de uma era em que fizemos o que queríamos para uma era em que faremos o que é necessário.”

Financiamento

Uma das chaves para desbloquear a inação é o dinheiro. “Esta COP16 é uma conferência de implementação e financiamento”, resumiu Hugo-Maria Schally, conselheiro da Direção Geral do Meio Ambiente da Comissão Europeia para a área de negociações internacionais no campo do meio ambiente, em audiência com deputados do Parlamento Europeu, observando que essa cúpula da biodiversidade “tem uma presidência muito ambiciosa”.

“Não acreditamos que haja uma solução única para a questão do financiamento”, considera Susana Muhamad, abrindo as possibilidades em nome da ambição. Além da ajuda direta que foi prometida pelos Estados mais ricos, muitos países do Sul global querem tirar proveito da forma como a natureza pode ser explorada de forma sustentável, contribuindo assim para seu desenvolvimento econômico.

Esperam-se decisões em nível de “mobilização de recursos” para a execução dos planos de biodiversidade. A meta de financiamento internacional acordada no GBF, em 2022, é de 200 bilhões de dólares (cerca de 185 bilhões de euros) por ano de diversas fontes, incluindo 20 bilhões (18,5 bilhões de euros) de países desenvolvidos . No acordo de Kunming-Montreal ficou, contudo, registrado que o déficit de financiamento é bastante maior, situando-se em 700 bilhões de dólares (645 bilhões de euros) por ano.

Subsídios prejudiciais

Outra das principais fontes de financiamento previstas no GBF é a reforma de subsídios nocivos para a natureza, que podem dar lugar a cerca de 500 mil milhões de dólares (460 mil milhões de euros) por ano até 2030. “Precisamos de recursos de todas as fontes, é preciso parar de gastar dinheiro a destruir a natureza”, sublinhou Nina Mikander, da Birdlife International.

Trata-se de um ponto complicado, tendo em conta que aqui se incluem parte dos subsídios à agricultura e silvicultura industriais, a fontes de bioenergia que implicam o corte de florestas em larga escala e à indústria dos combustíveis fósseis. A UE prometeu um estudo sobre os subsídios ambientalmente prejudiciais, que deveria estar pronto no ano passado, mas, de acordo com Hugo-Maria Schally, será tornado público apenas no próximo ano.

De acordo com um estudo da organização WWF, publicado em maio, até 60% do financiamento da Política Agrícola Comum (PAC), num total de 32,1 bilhões de euros anuais, pode estar sendo gasto em atividades agrícolas industriais “insustentáveis” , que “devastam os habitats naturais”. A WWF também contabiliza outros subsídios diretos que potencialmente contribuem para a perda de natureza em setores como pesca (entre 59 e 138 milhões de euros), infraestrutura de transporte (1,7 a 14,1 bilhões de euros) e infraestrutura -estruturas hídricas (1,3 a 2 bilhões de euros).

Partilha de benefícios

No capítulo do financiamento, encontra-se ainda outro ponto delicado: o mecanismo de Acesso e Partilha de Benefícios (ABS) do uso de informação de sequenciamento digital (DSI) dos recursos genéticos. Este fundo permitirá que as empresas —​ que têm um papel muitas vezes extractivista —​ partilhem os lucros e outros benefícios que retiram da informação genética de plantas e animais (por exemplo, para fins medicinais) com as comunidades de origem desses recursos.

Susana Mohamed, ministra do Ambiente da Colômbia, considera que seria uma vitória ter o mecanismo de partilha de benefícios do DSI aprovado e pronto para funcionar no final desta cimeira, podendo continuar a ser “refinado” nas COP seguintes.

Georgina Chandler, analista de políticas públicas do Global Strategic Communications Council (GSCC), explica que “o consenso está sendo construído em torno de uma taxa de 1% aos lucros das empresas que usam essas informações”, valor que reverterá para um fundo que poderá “devolver aos países que têm mais biodiversidade e são cuidadores desta”.

Inclusão das comunidades locais

O problema é encontrar uma solução equitativa e justa sobre quem poderá beneficiar desse fundo e como aceder a ele. “É necessário e urgente que estes mecanismos financeiros sejam adequados às realidades e necessidades das comunidades”, ressalva ainda Ramiro Batzin, co-presidente do Fórum Internacional Indígena sobre Biodiversidade, apelando a uma “adequação cultural” dos mecanismos de acesso ao financiamento.

Aliás, outro ponto importante na consecução do Marco Global da Biodiversidade é o reconhecimento do papel fundamental dos povos indígenas e comunidades locais como atores centrais na execução do GBF, criando mecanismos de participação nos processos oficiais de tomada de decisão.

Essas comunidades, descreve a coalizão Rede de Ação Climática (CAN), estão “na linha de frente das crises climática e da biodiversidade e na vanguarda das soluções”.

Natureza e clima de mãos dadas

Em um ano em que as conferências das três convenções das Nações Unidas sobre meio ambiente —​ biodiversidade, clima e desertificação, o “trio do Rio” —​ acontecem em sequência até dezembro, o foco também está na coordenação entre as convenções, que “estão profundamente interligadas”, nota Francisco Ferreira, presidente da associação Zero. “Desligar as três COPs não faz sentido, e essa interligação também deve existir na escala dos países”, reforça.

A secretária-executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), Astrid Schomaker, nota que “a COP16 é a primeira conferência das partes depois da declaração da COP28 sobre combustíveis fósseis”. Há poucas garantias sobre se isso fará diferença, mas as organizações ambientalistas têm feito pressão para que em Cali seja trabalhada uma moratória a novos projectos de petróleo e gás em regiões como a Amazónia.

Um dos objetivos que devem tomar forma no próximo ano é a aprovação de um plano de ação conjunto das três convenções, respeitando o mandato de cada uma, mas promovendo as sinergias e coerência necessárias.



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