Há uma “necessidade urgente” de a comunidade científica global investigar o impacto das alterações climáticas e do calor extremo na saúde mental, apelam três instituições britânicas ligadas à investigação, num comunicado divulgado esta quinta-feira, Dia Mundial da Saúde Mental.
“Embora a correlação entre o calor e os problemas de saúde mental seja clara, os mecanismos fisiológicos que conduzem a este agravamento dos resultados são pouco estudados e mal compreendidos”, afirma Mike Tipton, co-fundador do Laboratório de Ambientes Extremos da Universidade de Portsmouth e administrador da Sociedade Fisiológicanão no Reino Unido.
Essas duas entidades, juntamente com a Wellcome, apelam a um maior investimento em estudos interdisciplinares que ajudam a compreender melhor os mecanismos fisiológicos que ligam o calor extremo à saúde mental.
“As intervenções fisiológicas são uma parte essencial das soluções que terão de ser desenvolvidas. Por exemplo, compreender a forma como o calor afecta o nosso sono (e as implicações a longo prazo da resposta do organismo) permitiria melhorar não só as intervenções fisiológicas, mas também abordar alguns dos factores psicológicos e sociais que estão na origem de piores resultados”, refere Mike Tipton, citado no comunicado.
Um planeta a arder
O ano passado foi mais quente desde que há registos, sendo que chegámos mesmo muito perto dos limites de 1,5 graus do Acordo de Paris: a temperatura média global esteve 1,49 graus acima dos valores antes da Revolução Industrial. E, de acordo com o Copérnico, o serviço de observação da Terra da União Europeia, 2024 continua a apresentar temperaturas médias altas para o período.
Enquanto não reduzirmos drasticamente as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, continuaremos a testemunhar a subida dos termómetros do planeta. E, por isso mesmo, há membros da comunidade científica que entendem que está na hora de compreendermos quais são as repercussões dessa exposição ao calor para o bem-estar e a saúde mental.
“Há uma necessidade urgente de melhorar a nossa compreensão da forma como o corpo reage ao calor extremo e da relação com resultados mais fracos em termos de saúde mental. Apenas 5% dos artigos científicos sobre os efeitos das alterações climáticas na saúde na Europa se centram na saúde mental. Precisamos urgentemente de mais e melhor investigação, reunindo diferentes disciplinas de vários países”, afirma Madeleine Thomson, directora de Impactos Climáticos e Adaptação na Wellcome Trust, citada no mesmo documento.
A Wellcome apresentou, na semana passada, o Prémio Clima e Saúde Mental com o objectivo de convidar a comunidade científica a apresentar propostas de projectos que explorem os efeitos do aumento das temperaturas na saúde mental. O anúncio dos trabalhos seleccionados, que terão direito a financiamento, está previsto para Junho de 2025.
Os cientistas reconhecem ainda que a ecoansiedade – o mal-estar relacionado com crises climáticas e ecológicas – pode ser de interesse para quem estuda a intersecção entre o calor e a saúde mental. “Consideramos as alterações climáticas como uma questão importante que pode contribuir para ou causar ansiedade clinicamente significativa. Os projectos podem estudar a ansiedade climática no contexto da ansiedade que atinge o nível de um problema de saúde mental que prejudica o funcionamento quotidiano. A ligação entre a ansiedade relacionada com pensamentos ou receios sobre as alterações climáticas e o calor teria de ser explicitada para este prémio”afirma ao PÚBLICO Winnie Wefelmeyer, líder de investigação em provas científicas de saúde mental na Wellcome.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou há dois anos, num documento divulgado na Conferência nas Nações Unidas Estocolmo+50, que as alterações climáticas afectam tanto a saúde física como a mental.
“Esperamos que o desafio partilhado da crise climática seja um alerta de que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. Isso deve incluir a prestação de cuidados de saúde mental e apoio psicossocial àqueles que são mais afectados pelos eventos climáticos extremos ou pela angústia sobre o futuro do planeta”, afirmou então ao PÚBLICO Diarmid Campbell-Lendrum, director da unidade da OMS dedicada à crise climática.
Um estudo da Lanceta Saúde Planetáriapublicado em 2023, mostrava por exemplo que o calor extremo e a humidade têm impacto sobre a saúde mental dos habitantes de um país altamente vulnerável às alterações climáticas como o Bangladesh. O trabalho revelava como a subida contínua da temperatura e dos níveis de humidade aumentam a probabilidade de as pessoas sofrerem de ansiedade ou depressão.