Não houve nenhum treinador de futebol capaz de fazer de Romelu Lukaku o que já fez Antonio Conte. Já muitos tentaram – muitos mesmo –, mas a chama entre Antonio e Romelu é diferente. E o Nápoles reacendeu-a.
Lukaku foi contratado para substituir Osimhen e leva, até ver, dois golos em dois jogos – marcou neste domingo, no triunfo por 4-0 do Nápoles na Sardenha, frente ao Cagliari, num jogo no qual ainda fez duas assistências.
Dois golos em dois jogos não significam grande coisa para o futuro, mas sugerem, no presente, que é provável que a relação de sucesso entre Conte e Lukaku esteja a rever os seus dias áureos.
Em 15 anos de carreira profissional, só duas vezes o avançado belga ultrapassou os 30 golos numa temporada – foi em 2019/20, com 34, e em 2020/21, com 31. Esses foram os anos em que Conte pôde fazer de Lukaku o que sempre se esperou que ele fosse, mas que não parecia algum dia ainda vir a ser.
Gozado pelo que falha
Quando apareceu no Anderlecht, com 16 anos, o “panzer” belga parecia ter tudo para marcar uma geração. Mas foi sempre um bom exemplo de um jogador bom, muito bom mesmo, mas nunca bom o suficiente para o que se esperava dele.
O jogador foi-se tornando um “docinho” para as redes sociais, sedentas de falhanços clamorosos de oportunidades de golo e dribles atabalhoados. E Lukaku deu-lhes tudo isso em grandes quantidades. É fácil não gostar de Lukaku.
Não é um jogador com uma recepção de bola suave e não é um bom driblador. Falha oportunidades flagrantes e parece, muitas vezes, alheado do jogo, passando largos minutos sem se movimentar para pedir a bola.
Até chegar às mãos de Conte. O próprio jogador já chegou a contar as transformações físicas e tácticas que o treinador italiano lhe pediu. No físico, para se tornar mais explosivo. Na táctica, para se prestar a jogar mais de costas para a baliza. E ele fê-lo.
No Inter, Lukaku chegou a ser um jogador de arrancadas no espaço, algo impensável para alguém com aquele perfil. Foi precisamente disto que Conte falou quando soube, agora, que contaria novamente com Lukaku. “Ele é como um jogador de futebol americano. É seguramente um avançado atípico, porque normalmente os jogadores que têm aquele físico são lentos. Ele, ao invés, com aquelas pernas grandes, é um jogador de futebol americano, potente e muito veloz”, apontou.
Com Conte, tornou-se o foco central do ataque do Inter, com a sua capacidade de elite de segurar a bola e distribuir jogo. Para lhe tirar a bola, um defensor tem de dar a volta a uma rotunda – porque o espaço que o corpo de Lukaku ocupa a isso obriga.
É, portanto, alguém que chama a si dois ou mesmo três defensores, algo que abre todo o campo para outros jogadores desequilibrarem.
Amam-se e odeiam-se
É por tudo isto que, para muitos, é difícil entender que Lukaku não se tenha tornado um avançado letal, dos que garantem campeonatos. Por um lado, é acusado de falhar golos fáceis – e não é mentira. Por outro, é um jogador que cria muitas oportunidades de golo pelo tipo de futebol que tem. Entre uma coisa e outra fica um facto: tem uma média de carreira de 20 golos por temporada e isso fala mais do que qualquer opinião.
O jogador carrega ainda o ónus de personificar o falhanço de uma geração belga – tal como Lukaku, a Bélgica foi boa, mas nunca boa o suficiente, pelo talento que havia.
Lukaku não conseguiu conduzir a selecção à glória e foi precisamente pelo seu país que somou alguns dos falhanços mais caricatos que lhe valem a má fama. E se a isso juntarmos zero golos no Mundial 2022 e outros zero no Euro 2024 fica montado o palco para a crítica.
Em Nápoles, a coisa poderá ser diferente. A equipa de Conte não tem um avançado do perfil de Lautaro Martínez que case bem com Lukaku, porque gosta de usar dois jogadores como avançados interiores, algo que não acontecia no Inter, que preferia uma dupla. Politano e Kvaratskhelia vão pedir coisas diferentes a Lukaku, que possivelmente não será tão chamado a jogar em apoios frontais. Mas Conte vai arranjar forma de fazer aquilo acontecer – porque é do seu Lukaku que estamos a falar.
Eles amam-se e odeiam-se – embora talvez o irascível Conte odeie qualquer jogador que não faça o que ele manda. “Ele diz-te na cara se estás a jogar bem ou mal. E eu nesse dia joguei realmente mal. Disse-me em frente a toda a equipa que eu era lixo. Nunca me tinha acontecido isto. Disse que eu era lixo e que me tiraria do campo ao fim de cinco minutos se voltasse a jogar assim”, contou Lukaku à Sky Sportsem 2020.
No Nápoles, Lukaku tem o “seu” Conte e Conte tem o “seu” Lukaku. E se a chama se reacender há boas probabilidades de acontecerem por ali coisas boas. Eles vão odiar-se e vão amar-se. E os adeptos do Nápoles vão amá-los também.