Estará nos jovens a esperança no rumo das alterações climáticas?


O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e o Papa Francisco são duas das personalidades mundiais muito preocupadas com as alterações climáticas que acreditam que os jovens desempenham um papel importante para garantir uma acção climática que responda às actuais preocupações e necessidades. Afirmam que os jovens têm tido, e terão, um papel importante neste percurso, exigindo e manifestando-se veemente contra a inacção. E exemplos não faltam, como o do grupo de seis jovens portugueses que, de forma inédita, levou 32 países ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, bem como os grupos de activistas que reclamam nas ruas por mais acção.

Mas quanto está a iniciativa dos jovens, a nível global, a mudar as políticas de acção climática ou a alterar a economia com vista a esse objectivo? A mudar o nível de consumo energético e de recursos naturais por forma a evitar-se ultrapassar o limiar de aquecimento global? Estará essa acção dos jovens a provocar um aumento de reciclagem, uma diminuição no consumo de combustíveis fósseisuma mudança dos hábitos alimentares, uma diminuição drástica no consumo de plásticos e de minerais raros?

Estará essa acção a mudar o próprio comportamento generalizado dos jovens ao nível do consumo descartável, da redução de desperdícios, da redução de poluição ambiental, na escolha selectiva da origem e do tipo de produtos que consomem? Ou o que se observa é uma pequeníssima percentagem de jovens de alguns países livres e democráticos, preocupados e desesperados com a inacção climática, levados através do activismo a uma mediatização que projecta de forma sobrestimada a dimensão desse “movimento de mudança”?

A análise que faço é normalmente suportada por um conjunto de aritméticas (“aritmética do crescimento”, como lhe chamo). E esta análise diz-me que não se observa qualquer impacto real da acção dos jovens (nem de qualquer outro grupo). Pelo contrário, o comportamento de consumo generalizado que se observa nos jovens, em particular no acto e desejo de viajar (veja-se a estatística do número de voos e as projecções para as próximas três décadas), é contrário às necessidades de uma transição climática efectiva, ou seja, da inversão do rumo das alterações climáticas.

As gerações anteriores e a minha geração causaram um grande problema, muito por causa do modelo de crescimento e prosperidade que levou a esta crise climática. Actualmente, precisamos de um novo movimento, talvez mesmo de uma mudança de paradigma com um novo modelo de desenvolvimento que faça exactamente o contrário, que reverta a tendência das alterações climáticas. Ou seja, que cause, primeiro, uma estabilidade da temperatura média global (não mais que 1.5 a 2 graus Celsius), e depois, uma diminuição dessa temperatura a valores, no mínimo, da primeira metade do século XX.

Saberão as pessoas, e em particular os jovens, o que é necessário para realizar essa inversão? Terão eles a noção da escala do problema? Sabem eles o quanto é necessário reduzir per capita as emissões de gases de efeito estufa? O que significa reduzir 50% das emissões em dez anos? Chegará apenas uma redução de emissões, ou, além disso, é ainda necessário capturar centenas de milhares de milhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera? E qual o esforço para se alcançar esse feito em poucas décadas? Quanta energia e recursos serão necessários? Como produzir essa quantidade de energia sem comprometer esse objectivo? E tudo isso, sem depender dos combustíveis fósseis.

Estas são as perguntas que os jovens, todos sem excepção, devem saber responder (com nota positiva!). E não só os jovens, também os políticos, os partidos, os governantes e dirigentes. E depois disso, devem assumir a mudança e aderir massivamente às medidas necessárias e suficientes. Estarão os jovens, todos a nível global, dispostos a isso?

Pessoalmente, só começarei a acreditar quando observar, de forma sistemática e através dos indicadores sólidos e robustos, a mudança sustentada no comportamento dos jovens ao nível do consumo, das escolhas e opções que tomam. Porque o que tenho observado, à escala global, e não apenas em “meia dúzia” de jovens, é um comportamento consumista (que se está a propagar a outros continentes e a países em desenvolvimento), sem olhar aos impactos desse consumo, sem se preocuparem com os impactos das escolhas e opções que fazem. Mesmo os jovens activistas pelo clima estão dependentes das novas tecnologias (e.g. smartphones), de viagens e de bens de consumo que necessitam em larga escala do consumo de petróleo, dos quais não se conseguem ver livres.



Estudantes em protesto climático na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
ANTÓNIO PEDRO SANTOS / LUSA

Se nós, as gerações mais velhas, não conseguimos mudar até à data o nosso comportamento, e se os jovens que educámos, e bem, com programas educativos cheios de conteúdos sobre o ambiente e alterações climáticas, quando chegam à idade adulta continuam no mesmo modelo de consumo, então, pergunta-se, se é nestas gerações futuras que devemos depositar a esperança. E aqui, peço desculpa àquele “pequeno” grupo de jovens que de facto se preocupa, se manifesta, adere à mudança e tenta influenciar os outros.

Um bom indicador para cada um saber a sua pegada de carbono é o valor médio de intensidade de carbono de 400 gramas de dióxido de carbono por cada euro gasto. Há euros gastos, como de uma viagem de avião, que podem corresponder a mais de um quilo de emissão de dióxido de carbono, e outros que podem ter intensidades muito inferiores ao valor médio. Mas este valor médio é um bom indicador. Então, por cada 1000 euros de vencimento médio mensal, admitindo que é tudo gasto, teremos uma emissão anual de 5.6 toneladas de dióxido de carbono. O que significa que qualquer pessoa que gaste em média acima dos mil euros/mês estará a emitir acima da média nacional de 4.2 toneladas/ano de dióxido de carbono.

Para se conseguir a meta da neutralidade de carbono em 2050, teremos todos de reduzir individualmente a pegada de carbono para 500 gramas/ano, em apenas 25 anos. E isto é válido apenas para os que têm um consumo mensal até 875 euros/mês. E os outros? Os que gastam milhares de euros por mês? Como pensam os jovens conseguir tamanha redução? Como continuar a viajar, a consumir e ao mesmo tempo reduzir as suas emissões? Ou terão de reduzir o consumo e mudar por completo as suas opções de vida, ou então, terão de ficar à espera do prometido “milagre” da transição tecnológica para conseguir baixar a intensidade de carbono para 50 gramas/euro. Onde está essa tecnologia? É nisso que os jovens, as pessoas em geral e os políticos depositam a sua esperança? Devemos continuar a confiar na ideia de que a ciência e a tecnologia têm solução para tudo?

E os jovens vão ficar parados à espera das promessas e decisões dos políticos, cujo impacto é o que temos assistido nos últimos 35 anos? Não querem discutir e “decidir” o futuro do clima, de forma a serem garantidas soluções para os desafios futuros? De que estão à espera?

Uma coisa é certa, se não forem os jovens, não serão certamente as gerações dos pais e dos avós que o vão fazer.





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