A ministra da Justiça quebrou o silêncio, pela primeira vez desde a fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus no sábado, para defender que a evasão resultou de uma “cadeia sucessiva de erros e falhas graves, grosseiras e inaceitáveis”. Em conferência de imprensa, esta terça-feira, no Ministério da Justiça, Rita Alarcão Júdice confirmou a demissão do director-geral da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Rui Abrunhosa Gonçalves, e do subdirector-geral com o pelouro das prisões, Pedro Veiga Santo mas deixou o aviso: “A recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis”, admitindo que não hesitará em avançar com os processos disciplinares ou penais “que se revelem necessários”.
No domingo, na única conferência de imprensa até à data com responsáveis policiais, Rui Abrunhosa Gonçalves – que será agora substituído provisoriamente por Isabel Leitão, subdirectora-geral da DGRSP – recusou a ideia de abandonar funções. “Não acho que devamos atirar a toalha ao chão e se vir que a confiança em mim depositada caiu, não têm de me dizer para sair, eu sairei. Não sinto isso, para já, e sair na primeira contrariedade não é a minha forma de estar na vida”, afirmou.
No entanto, esta terça-feira terá colocado o lugar à disposição numa reunião com a ministra da Justiça – que aceitou a demissão -, em que também foi apresentado um relatório preliminar sobre a evasão dos cinco reclusos, no passado sábado, dia 7 de Setembro, da prisão de alta segurança de Vale de Judeus, em Alcoentre, Lisboa.
De acordo com Rita Alarcão Júdice, o relatório de auditoria à actuação dos serviços de vigilância e segurança, elaborado pela Divisão de Serviços de Segurança da DGRSP, permite concluir que a fuga dos reclusos “resultou de uma cadeia sucessiva de erros e falhas muito graves, grosseiras, inaceitáveis que queremos irrepetíveis”.
O relatório permanecerá confidencial, de forma a salvaguardar as investigações em curso, contudo, a responsável pela tutela adiantou que os relatos permitem ver “desleixo”, “facilidade”, “irresponsabilidade” e “falta de comando”, “decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes”, numa crítica ao governo anterior.
Já depois da conferência de imprensa, em entrevista à RTP, a ministra da Justiça assumiu que a falta de comando se verificou em “toda a cadeia hierárquica”.
Na mesma entrevista, a responsável confirmou que os mandados de detenção europeus dos cinco reclusos já foram emitidos. Escusando-se a especular sobre o paradeiro dos evadidos, Rita Alarcão Júdice considerou que “todas as hipóteses estão em cima da mesa”, inclusive a possibilidade de já terem saído do país. Para além disso, a ministra da Justiça escusou-se a revelar se os reclusos tiveram ajuda interna para fugirem de Vale de Judeus, assegurando apenas que “sem dúvida nenhuma” existiu ajuda externa. Disse, por exemplo, que “o escadote foi colocado dois minutos antes de a fuga ter começado”.
“Responsabilização a vários níveis”
Na conferência de imprensa, a ministra da Justiça não excluiu a hipótese de mais demissões e deixou o aviso: “Não hesitarei em dar impulso aos processos disciplinares ou penais que se revelem necessários”. Essa é, aliás, uma das conclusões que a ministra retira do relatório que esta terça-feira lhe foi apresentado. “A recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis e o reforço da fiscalização ao sistema prisional”, alertou.
Na sequência da fuga, que Rita Alarcão Júdice apelida de “orquestrada”, “com tempo” e “com método”, a responsável pela tutela mandatou a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça para dar início a uma auditoria aos sistemas de segurança aos 49 estabelecimentos prisionais do país. O resultado deverá ser conhecido até ao final do ano.
A ministra ordenou também uma “auditoria de gestão” ao sistema prisional, capaz de avaliar “a organização e afectação de recursos da DGRSP e de todos os Estabelecimentos Prisionais do país”.
A estas investigações, junta-se também a auditoria que está a ser feita pelo Serviço de Auditoria e Inspecção da DGRSP – que a ministra antecipa que estará concluída dentro de um mês.
Esta análise, explicou Rita Alarcão Júdice, vai ajudar a tutela “na tomada de decisões” para que as “mudanças que se imponham” sejam efectuadas.
O silêncio da ministra, que só esta terça-feira se pronunciou, mereceu-lhe fortes críticas. No entanto, Rita Alarcão Júdice argumentou que se remeteu ao silêncio por “ser crucial dar espaço à investigação” e não contribuir “para o ruído de fundo”. Por isso mesmo, quis “reunir toda a informação possível” antes de se pronunciar. “Falar por falar não é meu timbre”, atirou.
Ministra foi informada às 12h30
O relatório preliminar permitiu a Rita Alarcão Júdice traçar uma cronologia da evasão dos cinco reclusos. Segundo a responsável pela tutela, a evasão, que implicou o recurso a dois escadotes vindos do exterior, teve início às 9h55 “com a intrusão de três indivíduos no perímetro externo” da prisão.
A fuga, cujo início foi às 9h57, “demorou seis minutos”, já que o último recluso “ultrapassou a vedação exterior do EP, às 10 horas e 1 minuto”. Contudo, só foi detectada por dois guardas pelas 11h e o alerta a “toda a corporação” foi dado entre as 11h04 e as 11h08, sendo que o director do estabelecimento prisional só foi informado às 11h10.
Às 12h, o director de Vale de Judeus confirmou à DGRSP – que teria sido informada da fuga às 11h19 – a “fuga e identidade dos cinco reclusos”. Pelo meio, às 11h18, a GNR, órgão de polícia competente, foi informada do caso.
De acordo com os dados partilhados pela ministra, decorreram 83 minutos entre a fuga e a comunicação à GNR e 65 minutos entre a chegada dos cúmplices e a detecção da evasão dos reclusos.
A ministra da Justiça, no entanto, só recebeu a informação por volta do 12h30. Questionada sobre a hora a que a Polícia Judiciária foi informada, a ministra foi omissa.
Ainda em conferência de imprensa, Rita Alarcão Júdice deu conta de que, a 7 de Setembro, estavam escalados 35 profissionais, sendo que destes, dois chefiavam a equipa. Para além disso, o sistema de videovigilância estava a funcionar e o guarda responsável por controlar as câmaras de vigilância estava no seu posto.
Na RTP, a responsável pela tutela criticou o facto de a vigilância ser feita apenas com recurso a câmaras. “Deveríamos ter também sistemas redundantes, não sei se seriam as torres [de controlo] ” – que foram demolidas -, argumentou, acrescentando que “esse tipo de soluções deveriam ter sido pensadas e asseguradas”.