O relatório da auditoria da Inspecção Geral de Finanças (IGF) às contas da TAP concluiu que a compra de 61% da companhia aérea ao Estado, em 2015, por um consórcio liderado por David Neelman foi financiada com um empréstimo de 226 milhões de dólares concedido pela Airbus, com a compra de 53 aviões à construtora pela TAP como contrapartida, e com a companhia aérea portuguesa a prestar garantia por esse crédito. Ou seja, a IGF estabelece que a TAP foi comprada com garantia da própria TAP.
A notícia foi avançada esta segunda-feira pela SIC e confirmada pelo PÚBLICO, que teve entretanto acesso ao documento. O relatório detalha um sistema criado para contornar o código das sociedades comerciais, que impede uma empresa de conceder empréstimos ou fundos a um terceiro para que este compre acções suas. A IGF entende que o processo deve ser comunicado ao Ministério Público para uma eventual investigação criminal.
A IGF indica que a operação era do conhecimento da Parpública – a contenção pública que agrega as participações empresariais do Estado – e dos responsáveis das Infra-estruturas e das Finanças do Governo de Pedro Passos Coelho. A pasta das Finanças pertencia em 2015 a Maria Luís Albuquerque, agora a caminho de Bruxelas, por proposta do Governo português para as funções de comissária europeia no próximo executivo europeu. O secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Monteiro, sob a tutela do então ministro da Economia, António Pires de Lima. O secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações era Sérgio Monteiro, sob a tutela do então ministro da Economia, António Pires de Lima.
O relatório da IGF é ainda crítico de duas outras operações: um contrato de prestação de serviços da TAP, já privatizada, com uma empresa de David Neeleman que alegadamente terá servido para pagar remunerações e prémios ao empresário e a Humberto Barbosa sem os declarar como tal às Finanças, e o investimento na VEM Brasil, empresa de manutenção da antiga Varig, que resultou em perdas de 906 milhões de euros, e para o qual os inspectores não encontram racionalidade económica.
Esta auditoria foi pedida em Outubro de 2023, pelo então ministro das Finanças Fernando Medina, na sequência da comissão parlamentar de inquérito à gestão da transportadora aérea. Visava especificamente os negócios como a compra de aviões pelo ex-accionista David Neeleman e o negócio da manutenção e engenharia no Brasil (ME Brasil).
A auditoria da IGF foi uma das recomendações do PCP, que foi acolhida no relatório da CPI pela autora, a deputada socialista Ana Paula Bernardo. Os comunistas recomendaram que se “realize com carácter de urgência uma inspecção e auditoria, através da IGF, às contas da TAP SGPS e TAP SA”. O objectivo do PCP, citava em Outubro passado a Lusa, era que apurasse “cabalmente todos os pagamentos e contratos relacionados com os negócios de compra e actividade da TAP ME Brasil; os pagamentos feitos pelo Grupo TAP à Airbus; às empresas de David Neeleman e ao próprio; à Atlantic Gateway; ao Grupo Barraqueiro e a Fernando Pinto; o valor e os motivos de todos os contratos de consultoria pagos pela TAP (solicitados ou não) desde 2005”.
Além do “processo de privatização da TAP e sua relação com os contratos de aquisição de 53 aviões A320/A321 e A330 à Airbus em 2015”, há ainda outra “matéria” que a IGF pede a atenção do MP: as “remunerações dos membros do conselho de administração da TAP”.