Alain Delon, um dos maiores talentos do cinema europeu, morreu neste domingo (18/8) aos 88 anos. O astro francês era considerado o ator mais bonito de sua geração, mas demonstrou logo cedo que era mais que um rosto bonito, trabalhando com grandes mestres e se destacando em alguns dos filmes mais famosos dos anos 1960, como “O Sol por Testemunha” (1960), “Rocco e Seus Irmãos” (1960) e “O Samurai” (1967). Ele faleceu em sua residência em Douchy, cercado por seus três filhos e familiares.
Início humilde e ascensão ao estrelato
Alain Delon nasceu em 8 de novembro de 1935, em Sceaux, nos arredores de Paris. Filho de um operador de cinema e de uma farmacêutica, teve uma infância marcada pelo divórcio dos pais e por passagens por lares adotivos e internatos. Aos 17 anos, foi convocado para o serviço militar e serviu na Marinha Francesa, sendo destacado para a Primeira Guerra da Indochina, de onde foi dispensado por má conduta.
Após retornar a Paris em 1956, começou a frequentar os clubes e cafés de Saint-Germain-des-Prés, onde foi descoberto por Jean-Claude Brialy, ator de destaque do início da Nouvelle Vague. Delon recusou um contrato oferecido por David O. Selznick, que exigia que ele melhorasse seu inglês, preferindo continuar na França. Seu primeiro papel no cinema foi em “Quando a Mulher Erra” (1957), de Yves Allégret, filme que marcou o início de uma carreira prolífica.
O Talentoso Delon
O estrelato de Delon veio em 1960, quando interpretou Tom Ripley em “O Sol por Testemunha” (1960), dirigido por René Clément. Adaptado do livro “O Talentoso Ripley”, de Patricia Highsmith, o filme consolidou Delon como um dos atores mais carismáticos e talentosos da Europa. Sua interpretação de Ripley, um anti-herói cativante e sombrio, foi amplamente elogiada e lhe rendeu comparações com James Dean. A história depois foi filmada por Hollywood nos anos 1990 e ganhou recentemente uma série da Netflix, mas nenhuma outra produção superou a performance de Delon.
Colaboração com Luchino Visconti
Ainda em 1960, Delon estrelou “Rocco e Seus Irmãos”, dirigido por Luchino Visconti. O drama familiar ambientado em Milão o consolidou como um dos grandes astros do cinema europeu. Interpretando Rocco, um jovem pugilista que luta para sustentar sua família, o ator francês demonstrou profundidade emocional e um carisma que lhe renderam aclamação internacional.
Três anos depois, em 1963, ele voltou a colaborar com Visconti em “O Leopardo”. Neste épico histórico, Delon interpretou o jovem Tancredi, contracenando com Burt Lancaster e Claudia Cardinale. O filme foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes e é considerado uma obra-prima do cinema mundial.
Papel em “O Eclipse” e ida a Hollywood
Delon ainda trabalhou com outro mestre do cinema italiano em mais um clássico, ao estrelar “O Eclipse” (1962), de Michelangelo Antonioni, no qual interpretou um corretor da bolsa envolvido em um romance existencial com a personagem de Monica Vitti. Este filme, que explora o vazio emocional e a alienação da modernidade, representou mais um exemplo da versatilidade do ator e se tornou um marco da filmografia de Antonioni, conquistando o Prêmio do Júri no Festival de Cannes.
Consagrado na Europa, Delon tentou conquistar Hollywood, mudando-se para os Estados Unidos em 1964. Ele assinou contratos com a MGM e Columbia e participou de seis filmes, incluindo “O Rolls-Royce Amarelo” (1964), com Shirley MacLaine, e “A Patrulha da Esperança” (1966), ao lado de Anthony Quinn. No entanto, sem alcançar o sucesso esperado, Delon retornou à França em 1967.
Consagração em “O Samurai”
De volta à França, ele entregou uma de suas melhores performances em “O Samurai” (1967), de Jean-Pierre Melville. No longa, interpretou Jef Costello, um assassino de aluguel frio e meticuloso, que se tornou quase uma persona, influenciando seus trabalhos posteriores. O estilo minimalista de Melville, combinado com a interpretação contida e enigmática de Delon, também resultou em um dos filmes noir mais celebrados de todos os tempos. Delon descreveu o papel como algo que transcendia sua própria pessoa: “O samurai sou eu, mas inconscientemente.”
Ele repetiu a parceria com Melville em “O Círculo Vermelho” (1970), onde interpretou um ladrão meticuloso em um dos “heist movies” (filmes de assalto) mais influentes do cinema.
Parceria com Jean-Paul Belmondo
No mesmo ano, Delon uniu forças com Jean-Paul Belmondo em “Borsalino”, um de seus lançamentos mais populares. Dirigido por Jacques Deray, o longa-metragem era um drama de gângsteres ambientado no submundo de Marselha, nos anos 1930. A química entre Delon e Belmondo, ambos já estabelecidos como grandes estrelas do cinema francês, contribuiu para o sucesso da produção, que marcou a cultura popular da época. A parceria entre os dois atores se repetiu na sequência “Borsalino & Co.” (1974), que também estourou as bilheterias na França.
Após o auge
A partir dos anos 1970, Delon começou a reduzir suas aparições no cinema, embora ainda tenha estrelado filmes notáveis como “Mr. Klein” (1976), de Joseph Losey, pelo qual foi indicado ao César de Melhor Ator. O filme, ambientado na França ocupada pelos nazistas, mostrava Delon como um negociante de arte que descobria ter um sósia judeu.
Na década de 1980, Delon se aventurou no mundo dos negócios, lançando linhas de relógios, óculos de sol e perfumes. Ele continuou a atuar esporadicamente, com destaque para “Nossa História” (1984), pelo qual ganhou seu único César, e “Nouvelle Vague” (1990), de Jean-Luc Godard – ironicamente, sem nunca ter atuado em filmes da nouvelle vague original.
Seu maior sucesso de bilheteria marcou sua despedida do cinema. Ele interpretou Júlio César no blockbuster “Asterix nos Jogos Olímpicos” (2008), adaptação da popular série de quadrinhos “Asterix”, que arrecadou mais de US$ 130 milhões em bilheteria mundial. Essa produção marcou a última grande aparição de Delon no cinema, embora ele ainda tenha feito alguns telefilmes e figurações como ele mesmo.
As mulheres, os filhos e as controvérsias
Em 2019, Delon foi homenageado com uma Palma de Ouro honorária no Festival de Cannes, ocasião em que o tributo rendeu controvérsia, com acusações de racismo, homofobia e misoginia trazidas à tona. Delon sempre negou as acusações, afirmando: “Nunca assediei uma mulher na minha vida. Elas, no entanto, me assediaram muito.”
O astro se relacionou com algumas das mulheres mais famosas de sua época. Ele chegou a noivar com a belíssima austríaca Romy Schneider (a “Sissy”) em 1959 e teve um relacionamento com a top model e cantora alemã Nico, da banda The Velvet Underground. Nico deu à luz Christian Aaron Boulogne, conhecido como Ari, em 1962. Delon negou ser o pai da criança, mas Ari foi posteriormente adotado pelos pais do ator.
Em 1964, Delon se casou com a atriz Francine Canovas, que adotou o nome Nathalie Delon e estrelou ao lado dele “O Samurai”. O casal teve um filho, Anthony Delon, no mesmo ano. O casamento durou pouco, e, em 1968, Delon iniciou um longo relacionamento com a atriz Mireille Darc, com quem atuou em “Borsalino” e sua sequência.
Mais tarde, em 1987, Delon começou novo relacionamento com a modelo holandesa Rosalie van Breemen, com quem teve mais dois filhos, Anouchka e Alain-Fabien.
Nos últimos anos, sua vida familiar tornou-se um foco de disputas. Seus três filhos se desentenderam em relação ao regime médico e às finanças do ator. Em 2019, o ator sofreu um AVC e desde então fez declarações públicas sobre seu desejo de optar pela eutanásia caso sua condição de saúde se deteriorasse gravemente. Contudo, até sua morte, Delon não recorreu a esse procedimento, que é legal na Suíça, falecendo de maneira natural em sua casa na França.