Pais, mães e a prevenção e combate do <em>bullying </em>e <em>cyberbullying</em>


Nem todos os pais e mães são iguais… E ainda bem!

Educarmos uma criança e/ou adolescente é uma empreitada e peras, um desafio diário, constante, há que ter algum “jogo de cintura”, bom senso, assertividade, capacidade de comunicação, empatia, atenção, disponibilidade emocional, ufa… E são apenas alguns dos requisitos essenciais para “levar a bom porto” tal missão, muito provavelmente a mais difícil da nossa vida.

Quando se pensa em pais e mães que têm de lidar com uma situação de bullying e/ou cyberbullying tudo se torna ainda mais desafiante e complexo. Confrontarmo-nos com estes comportamentos agressivos entre pares não é tão raro como se possa pensar. Cerca de uma em cada três crianças e jovens em idade escolar envolve-se em situações de bullying, seja como vítima, agressor ou nesse duplo papel — quando temos alguém que é vítima e para compensar esse mal-estar e revolta interior, procura “vingar-se” noutra criança ou jovem, que seja mais novo ou aparente ser mais frágil, física ou psicologicamente, tornando-se assim também ele/a) agressor(a), perpetuando o círculo de violência.

Todos conhecemos as diferentes tipologias relacionadas com a parentalidade, temos os pais e mães mais diretivos, os que são mais permissivos, outros que são um pouco “despreocupados” e os que, por norma, designamos como assertivos ou democráticos, que conseguem ter uma capacidade de lidar com os desafios de se ser pai ou mãe de modo tranquilo e positivo. É importante realçar que todos nós, em diferentes momentos e/ou contextos, podemos ser mais diretivos, permissivos ou assertivos, dependendo de vários fatores que podem ser tão distintos como a nossa personalidade, a educação que recebemos, o momento em que nos encontramos na nossa vida ou até o modo como o dia nos está a correr.

Prevenir e combater o bullying e o cyberbullying é um trabalho que nunca está totalmente terminado mas do qual nunca podemos desistir. Pode não ser possível mudar o mundo mas conseguiremos sempre mudar o mundo de alguém e para essa criança ou jovem, fizemos toda a diferença. Cada vez somos mais combatentes antibullying, a nossa equipa do Projeto Bullying.pt é um bom exemplo desse espírito, constituída por profissionais com muitos anos de experiência em áreas tão diversas como a psicologia, a educação, o direito, o design gráfico, a informática.

O papel das famílias, em especial dos pais e mães, na prevenção e combate ao bullying e cyberbullying é muito importante, essencial mesmo para que as mudanças ocorram. Termos adultos atentos, informados e proativos é meio caminho andado para prevenir e combater, ou pelo menos, minimizar o impacto destes comportamentos agressivos entre pares na vida das nossas crianças e jovens.

Para mim existem diferentes tipologias de pais/mães mais adequadas à realidade atual, assim como, no que respeita à prevenção e combate dos comportamentos agressivos em idade escolar, as seis mais comuns são: Em Trânsito, Cristal, Político, Bomba, Multibanco e Drone.

Em trânsito

Os pais e mães em trânsito são todos aqueles que passam à velocidade da luz na vida dos mais pequenos e como referia o Miguel há uns tempos à sua diretora de turma, “A professora vai chamar cá à escola o meu pai? Qual? O pai do meu irmão, o meu pai mesmo ou o novo namorado da minha mãe?”. Estes pais e mães, não sendo progenitores biológicos das crianças e jovens, têm um papel muito relevante nas suas vidas, desde que permaneçam nas mesmas algum tempo, dando-lhes amor, segurança e estabilidade.

Quando tal não acontece, estando esses “progenitores do coração” mais centrados noutras questões do quotidiano do casal em detrimento de serem também parceiros(as) na educação dos mais novos, podem olhar para as questões do bullying e cyberbullying como algo que não lhes diz respeito, não se envolvendo ou tendo a tendência de os minimizar ou banalizar quando o pai ou mãe biológicos demonstra preocupação pelas situações relatadas pelos(as) filhos(as), o que acaba por não ter a atenção e a intervenção adequadas e por vezes até ser gerador de discussões e zangas entre o casal, ao mesmo tempo que em nada ajuda alguém que está a ser vítima deste tipo de comportamentos agressivos entre pares, sejam estes presenciais ou online.

Cristal

Os pais e mães de cristal são aqueles cuidadores que, de tão frágeis que estão na sua função parental dificilmente conseguem colocar limites aos seus(suas) filhos(as). Em algumas situações ficam quase como que reféns das exigências dos mais jovens acabando por facilmente ceder às suas pretensões (ou seja, “partem-se” com excessiva frequência), sentindo-se de seguida bastante culpabilizados por não conseguirem assumir uma postura mais assertiva no que respeita à educação dos(as) filhos(as).

Essa dificuldade em colocar limites reflete-se igualmente na vida online dos mais novos, principalmente no que respeita aos tempos de exposição aos ecrãs, por motivos lúdicos, algo que se agrava consideravelmente nas épocas de férias ou pausas letivas. Existem também frequentes conflitos entre pais e mães que se encontram separados já que muitas vezes, como seria importante, não conseguem definir em conjunto regras de utilização das redes sociais, jogo ou outras actividades online que vigore em ambas as residências, podendo existir numa bastante liberdade e pouco acompanhamento e na outra regras bastante definidas e uma supervisão efetiva.

Este tipo de pais e mães também cometem recorrentemente um erro, aplicam castigos, condicionando ou proibindo mesmo a navegação online durante um determinado período de tempo mas que depois não conseguem que seja cumprido visto que basta alguma insistência dos(as) filhos(as) para cederem facilmente levantando o castigo que eles próprios definiram, o que resulta numa inconsistência parental muitas vezes aproveitada pelos mais novos.

Político

Os pais e mães políticos são todos aqueles que prometem constantemente idas ao jardim, à praia e à piscina ou que irão estar no domingo de manhã, a assistir ao jogo de futebol ou a apresentação da patinagem ou de judo e depois nunca, mas nunca cumprem o que prometem. São pais e mães que podem ter um ou mesmo vários “mandatos” mas que acabam por chegar a um momento que “perdem as eleições”, leia-se que perdem momentos especiais, muitas vezes únicos da vida dos filhos. Estes pais e mães, até pela sua ausência no dia a dia dos(as) filhos(as), não conseguem estar atentos e acompanhar potenciais situações de risco ou mesmo perigo que os mais novos estejam a vivenciar.

Muitas vezes, sentindo-se “em falta” por não acompanharem o quotidiano dos(as) filhos(as), optam por culpar o outro progenitor por alguma situação mais complexa que tenha ocorrido presencialmente ou online. Nos casos concretos dos comportamentos de bullying e cyberbullying, revelam uma atitude de alguma desconfiança e preocupação perante a navegação online, mas essas questões não resultam numa abordagem parental mais consistente ou presente que, na prática, resulte numa real prevenção dos riscos que possam existir nas redes sociais, através de partilha de informação ou conteúdos mais privados, sejam estes vídeos, fotografias, informações pessoais ou outros.

Bomba

Os pais e mães bomba são aqueles que “explodem” com excessiva facilidade, ou seja, à mínima dificuldade ou contrariedade gritam, refilam, humilham, castigam ou agridem os(as) filhos(as), independentemente de quem possa estar a assistir ou o local onde se encontram, seja em casa, à porta da escola, numa praia ou num qualquer hipermercado. São adultos que, muitas vezes, foram eles próprios, crianças e jovens maltratados e negligenciados e deste modo, perpetuam o estilo parental maltratante vivenciado durante a infância. No que se refere ao bullying ou cyberbullying, pelo seu comportamento agressivo enquanto pais e mães transmitem a ideia errada aos mais novos que os conflitos e as frustrações resolvem-se através da violência em detrimento do diálogo, o que nos casos dos agressores legitima-lhes de alguma forma os seus comportamentos agressivos para com os pares.

São bastantes reativos, mas muitas vezes, essa “agitação” é no sentido de culpabilizar os(as) filhos(as) por estarem a ser vítimas destes comportamentos, sejam estes presenciais ou online. São pais e mães que facilmente se enfurecem perante qualquer situação, por norma, responsabilizando e criticando em vez de apoiarem os(as) filhos(as), acabando por mais do que fazerem parte da solução, se tornarem mais um problema na situação que possa existir.

No que respeita aos potenciais riscos ou mesmo perigos online, por serem tão restritivos em alguns momentos podem despertar nos jovens a necessidade de experimentar o que lhes é “proibido”, podendo afetar diretamente as decisões que os(as) filhos(as) podem tomar, como por exemplo, decidirem encontrar-se com alguém que conhecem apenas online. Todos sabemos que muitas vezes as nossas crianças e jovens podem “perder-se” em casa, ou seja, há uns anos os pais e mães temiam que os(as) filhos(as) fossem raptados(as) ou entrassem no mundo das drogas, atualmente os receios centram-se na vida online dos mais novos, no excessivo tempo que podem passar agarrados aos ecrãs e ou a que conteúdos podem estar a aceder.

Multibanco

Os pais e mães multibanco são os que vivem a mil à hora não tendo tempo para quase nada devido às suas exigentes profissões que, muitas vezes os levam a estar dias ou mesmo semanas fora de casa, acabam por tentar compensar as suas ausências na vida dos(as) filhos(as) através do dinheiro e bens materiais e da cedência frequente aos pedidos dos mais jovens (quando se verifica uma situação de divórcio ainda é mais comum este tipo de funcionamento por parte dos pais e/ou mães). Por vezes tentam atenuar a culpabilidade que sentem por estarem mais ausentes da vida dos(as) filhos(as), sendo muito mais flexíveis do que seria esperado no que respeita à vida online dos mais novos, demonstrando uma maior “abertura”, dando-lhes mais liberdade, o que pode resultar num maior risco ou mesmo em potenciais perigos.

São estes os pais e mães que, com mais facilidade e rapidez, compram dispositivos digitais aos(às) filhos(as), tentando desta forma sentir-se melhor e mais próximos, procurando assim compensar um pouco o excesso de trabalho que têm que os faz perder muitos momentos importantes da vida dos filhos e filhas. Em alguns casos podem ser vistos pelos(as) filhos(as) não tanto como figuras parentais, mas quase como uns irmãos ou irmãs mais velhos, nada nos preocupa mais como técnicos, do que ouvir um ou até ambos os progenitores a afirmarem que são os melhores amigos dos(as) filhos(as). As nossas crianças e jovens têm muitos amigos, mas pais e mães só têm dois e o papel destes é fundamental para o desenvolvimento harmonioso dos mais novos.

Drone

E por último os pais e mães drone são aqueles que passam a vida a sobreproteger os(as) filhos(as) (atualmente todos nós somos um pouco assim, certo?) e por vezes estamos tão concentrados em lhes darmos tudo aquilo que nunca tivemos que nos esquecemos de lhes dar o que é verdadeiramente essencial e que nos deram a nós, tempo e estarmos presentes nas suas vidas, mas sempre numa perspetiva de promoção da autonomia e responsabilidade.

São pais e mães que vivem “em cima” dos filhos, à mínima coisa já estão a resolvê-la (incluindo no início da vida adulta) não dando espaço para que os(as) filhos(as) aprendam, cometendo alguns erros enquanto vão construindo e preparando-se para serem autónomos. Quando levado ao extremo, são aqueles progenitores que, na sua ânsia de serem amados pelos filhos, podem tornar-se excessivamente presentes nas suas vidas, acabando por quase os sufocar com tanta atenção, mimos e cuidados. Esta forma tão próxima de educar pode parecer aos pais e mães que têm tudo controlado, mas, na prática, em muitas situações, resulta exatamente no contrário, ou seja, pode fazer com que os(as) filhos(as) partilhem menos situações de potencial risco ou perigo do que aconteceria com progenitores mais “liberais”.

Podem surgir casos de exposição excessiva online (envio das chamadas nudes, uma das práticas mais comuns daquilo que vulgarmente designamos por sexting), que podem derivar em casos de extorsão/chantagem para não divulgar publicamente esses conteúdos mais privados (o que chamamos de sextortion) ou até em idades mais avançadas, afetando adolescentes mais velhos ou jovens adultos, o que designamos por violência sexual com base em imagens (durante muitos anos foi, erradamente, designada por revenge porn, o que não faz nenhum sentido visto que não se trata de pornografia, uma vez que nunca existiu qualquer intenção de comercialização desses conteúdos e apesar destes terem sido feitos no seio de uma relação em que possa ter existido mútuo consentimento, esse nunca se poderia traduzir na divulgação pública e indiscriminada dos mesmos como vingança pelo final da relação).

O grooming carateriza-se por comportamentos online protagonizados por um adulto que se faz passar por uma criança ou adolescente, demonstrando curiosidade por áreas de interesse (música, jogos, redes sociais) muito semelhantes às de um adolescente, o que ajuda na construção de uma maior empatia e compreensão por parte da criança ou jovem em relação ao adulto que julga ser da sua idade, fazendo com que interaja com este com base nesse pressuposto, acabando por se expor (referindo informações como o local onde reside, a escola que frequenta, os seus horários ou algumas das suas rotinas), podendo tornar-se num alvo mais fácil para este predador que mais não quer do que conseguir obter conteúdos online de cariz sexual que lhe permitam chantagear a criança ou jovem, obrigando-os a criar cada vez conteúdos mais íntimos e que torne os mais novos, mais reféns desse adulto. Outra forma de chantagem, em casos que agressor e vítima estão geograficamente próximos, pode ser o obrigar a criança ou jovem a encontrar-se presencialmente com o agressor sexual.

É importante salientar que estas tipologias não são estanques e obviamente estou a falar de um modo geral e não concreto, todos sabemos que cada caso é um caso e que somos, uns mais outros menos, um bocadinho de cada tipo e em determinadas situações acabamos por ser mais “bomba”, “drone”, “político”, “multibanco”, “cristal” ou até em algum momento, “em trânsito”.

Ser-se pai ou mãe não é fácil, educar implica muita dedicação e paciência, é uma missão que é para a vida. Pensando bem, nos tempos que correm, talvez seja uma das poucas coisas (senão a única) em que podemos ter a garantia de ter um “trabalho para a vida” e no qual não podemos fazer “greve”, mas antes, muito frequentemente, “horas extraordinárias”.

Famílias felizes, normalmente resultam em crianças e jovens felizes, porque na vida ensinamos mais o que somos do que aquilo que sabemos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990



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