Haverá dois tipos de balanço a fazer quando terminarem os Jogos Paralímpicos, que nesta quarta-feira arrancam em Paris. O primeiro, e mais usual, incidirá sobre o número de medalhas e diplomas conquistados, enquanto métrica do sucesso desportivo. O segundo, a levar a cabo mais a prazo, abordará os efeitos da prova na captação de novos atletas. É com esta dupla missão que Portugal começa já amanhã a competir na capital francesa, consciente de que os resultados neste evento poderão ajudar a afastar as nuvens que pairam sobre o futuro do desporto adaptado.
A cerimónia de abertura prevista para esta noite fará desfilar 27 atletas portugueses pela Praça da Concórdida e pelos Campos Elíseos. É a comitiva mais pequena desde 1988, em Seul (13 representantes), mas a mais abrangente em termos de modalidades (10), com a estreia do levantamento de peso e do triatlo. Num contexto de 4400 participantes, de 168 países e distribuídos por 22 desportos, o que poderemos esperar?
“Queremos ultrapassar os resultados de Tóquio”, assumiu Luís Figueiredo, o chefe da missão nacional, à agência Lusa. É uma meta cautelosa. Há três anos, Portugal registou a sua pior prestação no evento, com duas medalhas de bronze, muito longe das duas décadas douradas que fizeram a ponte entre Nova Iorque 1984 e Atenas 2004, período em que se conquistaram 78 medalhas — em cinco dessas seis edições, a delegação portuguesa ficou acima da dezena.
Norberto Mourão (paracanoagem) e Miguel Monteiro (lançamento do peso) subiram ao pódio no Japão e, ao lado da veterana Cristina Gonçalves (boccia), compõem o trio de atletas que sabem o que é conquistar uma medalha nestas lides. No caso de Cristina Gonçalves, de 46 anos, trata-se mesmo de uma participação histórica, a sexta em Jogos Paralímpicos (ouro em 2004, prata em 2008 e bronze em 2016), num caso invulgar de longevidade a este nível.
Este também é o retrato actual dos representantes portugueses, que apresentam uma média de idades de 31,3. O problema maior coloca-se a montante, quando se conclui que a renovação geracional será difícil, por falta de matéria-prima na base da pirâmide. “Cada vez temos menos atletas paralímpicos, precisamos urgentemente que as entidades, não só governamentais, mas a própria sociedade, participem neste movimento e façam com que os seus familiares, que têm deficiências, pratiquem desporto e venham para o desporto paralímpico”, aponta Luís Figueiredo.
De acordo com o Censos 2021, estima-se que cerca de 9 % da população portuguesa tenha uma ou mais deficiências ou limitações funcionais, ou seja, cerca de 900 mil pessoas. Em 2022-23, porém, eram 3091 os praticantes inscritos nas federações desportivas de desporto adaptado, em representação de 197 clubes. E se é verdade que estes números indicam um crescimento, ou não traduzissem o valor mais alto de sempre (em 2000 eram 2235, em 2010 eram 2665 e em 2020, fruto da covid-19, 1271), também é certo que a tendência não é acompanhada pelos atletas mais jovens.
Até ao escalão júnior, e segundo dados do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), Portugal contava apenas, em 2023, com 53 praticantes inscritos na federação. Com excepção do ano 2017 (40 atletas), é o valor mais baixo desde 2010 — nestas faixas etárias, o pico foi atingido em 2003, com 297.
“Estes números evidenciam a necessidade de se continuar a realizar bastante trabalho e acções para que mais pessoas com deficiência iniciem e mantenham uma prática de actividade físico-desportiva regular”, sugeria o relatório publicado no ano passado pela Federação de Desporto para Pessoas com Deficiência.
Paradoxalmente, esta conjuntura de crise na captação colide com o aumento do valor das bolsas públicas de apoio disponibilizadas aos atletas. O contrato-programa de preparação para estes Jogos Paralímpicos tem um valor global de 9,2 milhões de euros e as bolsas, assim como os prémios pela conquista de medalhas, foram pela primeira vez equiparadas às dos atletas olímpicos.
José Manuel Lourenço, presidente do Comité Paralímpico de Portugal, já chegou a dizer que a escassez de novos atletas pode colocar a missão para Los Angeles 2028 em risco e é por isso que Luís Figueiredo insiste: “É necessário que os jovens voltem ao desporto e Paris será o ponto de partida para isso mesmo”.