Presidente do INSS: “Brasileiros têm direito a benefícios da Previdência onde estiverem”


Os brasileiros que vivem em Portugal têm direito a benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde que continuem contribuindo para a Previdência Social no Brasil ou para a Seguridade de Portugal. Como há um acordo entre os dois países, as contribuições ao sistema previdenciário são consideradas pelos dois governos, diz o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

Ele ressalta a importância de os trabalhadores brasileiros saberem que o tempo que contribuíram à Previdência no Brasil poderá ser somado aos anos de recolhimento à Segurança Social de Portugal para a aposentadoria. Nesses casos, o INSS pagará proporcionalmente uma parte dos benefícios e o órgão lusitano, a parcela que lhe cabe, também proporcionalmente.

Portugal tem se tornado o lar de uma crescente comunidade de aposentados e pensionistas brasileiros. Com quase 7 mil beneficiários do INSS vivendo no país, o Brasil enviou para território luso, apenas no primeiro semestre deste ano, 14,2 milhões de euros (R$ 85,2 milhões) para o pagamento desses segurados. No acumulado do ano, a fatura chegará a 26,4 milhões de euros (R$ 158,4 milhões).

“Observamos um aumento significativo de aposentados brasileiros migrando para Portugal”, afirma Stefanutto, que tem mestrado em Previdência social pela Universidade de Lisboa. Na avaliação dele, com renda perto do teto fixado pelo governo (R$ 7,8 mil ou 1,3 mil euros), essas pessoas buscam melhor qualidade de vida. “Esses brasileiros têm direitos iguais aos cidadãos europeus, e a migração para Portugal reflete isso”, acrescenta.

Para facilitar o pagamento dos benefícios no exterior, o INSS realizou licitações específicas, garantindo que os aposentados e pensionistas possam receber seus pagamentos em vários países, sendo Portugal um dos principais polos. Não só. O instituto passou a oferecer aos segurados que vivem no exterior a possibilidade de fazerem perícias online. O serviço começou por terras lusitanas.

Stefanutto também menciona a importância do acordo de não bitributação entre Brasil e Portugal, que evita a dupla tributação sobre os benefícios previdenciários. No entanto, ele reconhece que há questões a serem resolvidas, como a aplicação, pelo governo brasileiro, de uma taxa fixa de 25% de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos dos segurados, que tem gerado insatisfações entre eles. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Há quase 7 mil aposentados brasileiros pelo INSS vivendo em Portugal. Só no mês de julho, o INSS pagou cerca de R$ 12 milhões, ou 2 milhões de euros, a esses segurados. Qual é o perfil deles?

É natural que, depois de Portugal ter mudado a legislação para atrair aposentados com determinado nível de renda, tanto na Europa quanto de fora, os brasileiros tenham se interessado em se beneficiar desses incentivos. O que estamos vendo é a migração de aposentados de renda mais alta, próxima ao teto do fixado pelo INSS (R$ 7,8 mil, ou 1,3 mil euros).

Como os aposentados recebem seus benefícios no exterior?
Fizemos uma licitação para poder pagar os brasileiros em vários países. São pessoas de classe média, que decidem sair do Brasil, seja pela ligação familiar, seja pela qualidade de vida.

Os benefícios pagos pelo INSS têm impacto nesses países?
Sim. E eu não acredito que vamos ficar só nesses 7 mil aposentados em Portugal. A minha avaliação pessoal é de que teremos um número bem maior no futuro. É claro que isso significa que alguns milhões de euros irão para a economia portuguesa, e isso vai agregar crescimento. Mas está tranquilo, falamos de países irmãos. No Brasil, pagamos, anualmente, R$ 1 trilhão (166,7 bilhões de euros) em benefícios para 40 milhões de pessoas.

Esses aposentados deram saída fiscal do Brasil para receber seus benefícios em Portugal?
Sim, a maioria, deu saída fiscal. Mas há um grupo que optou por manter o registro no Brasil, porque fica menos do que os dias necessários (182 dias) em Portugal. A maioria acaba optando por receber tudo em conta-corrente em Portugal, que tem uma tributação diferente.

Como vê o fato de aposentados e pensionistas brasileiros que deram saída fiscal do país serem taxados por uma alíquota única de 25% de Imposto de Renda pela Receita Federal?
Essa é uma questão da Receita Federal. Sabemos que muitos aposentados têm reclamado dessa alíquota única de 25% de IR e pedindo a aplicação da tabela progressiva sobre os rendimentos. O INSS, que processa a folha de pagamento dos segurados, segue o normativo da Receita, que determina o desconto desse imposto.

A Receita tem perdido uma série de ações na Justiça Federal, determinando o fim da cobrança da taxa única de 25% de IR. Para não cumprir as decisões judiciais, a Receita argumenta que o desconto do imposto se faz na folha, por meio da Dataprev. Como vê isso?
Realmente, há decisões da Justiça dando ganho de causa a aposentados. Mas confesso que, nesses casos, não ficou claro para mim se o ganho de causa obriga a Previdência a aplicar a tabela progressiva, ou se apenas tem que devolver o que foi descontado a mais.

Esse tema, por sinal, já chegou ao Supremo Tribunal Federal…
Sou procurador federal de carreira, e não há o que se fazer, a não ser que a Receita altere o normativo que define a tributação sobre aposentados que vivem no exterior. Temos que seguir as normas. O assunto está no Supremo, e o ministro Dias Toffoli é o relator. Estamos esperando que coloquem isso em julgamento, para que possamos definir a situação. Por enquanto, vamos cumprir as regras fixadas pela Receita.

Mas é possível ajustar o sistema do INSS para o cumprimento das sentenças judiciais?
A ação movida pelos aposentados é contra a União. Cabe, portanto, a ela mandar para o INSS, por meio da Advocacia Geral da União, um parecer de força executória a fim de restabelecer a tributação (com base na tabela progressiva).

Como vê os benefícios tributários dados a aposentados por Portugal?
Esses benefícios não são incomuns. Mas, mesmo entre membros da comunidade europeia, eles têm sido contestados. Essa é uma questão de Portugal, que, obviamente, pode ser resolvida por meio de um novo acordo envolvendo a questão tributária. Estímulos fiscais, sejam em Portugal, sejam no Brasil, devem ser acompanhados.

Com a postura da Receita Federal, os aposentados que deram saída fiscal do Brasil não conseguem usufruir dos benefícios tributários de Portugal?
Sim, porque são tributados em 25% na fonte. Essas pessoas não entram no regime especial de Portugal (que reduz os impostos ao longo de 10 anos).

Como o INSS está atendendo os brasileiros que vivem no exterior, sejam aposentados ou não?
É importante dizer aos brasileiros que continuem como segurados. Isso é possível por meio da contribuição individual (autônomo). Na qualidade de segurado, a pessoa tem direito a todos os serviços. Por exemplo: já estamos realizando as perícias médicas online. Isso reduziu muito a burocracia.

De que forma os brasileiros no exterior podem ter acesso a todos os seus direitos?
Está tudo no nosso site e no app “Meu INSS”, que funciona normalmente no exterior.

O serviço de perícia online começou por Portugal. O INSS vai estender o benefício para outros países?
Vamos ter em todos os lugares onde o número de brasileiros seja expressivo. Itália, Espanha, Irlanda e outros países da Europa. Também no Líbano e nos Estados Unidos, onde temos comunidades de brasileiros importantes.

E o serviço de prova de vida, procedimento anual para comprovar que a pessoa que recebe algum benefício de longa duração do INSS  está viva, como está?
A prova de vida para brasileiros que vivem no exterior era muito complicada. Tinha, muitas vezes, que ir ao consulado fazer uma procuração. Agora, a prova de vida é feita pelo próprio INSS. Como? Cruzando dados. Verificamos informações como passaporte, carteira de vacinação, ou seja, que a pessoa viajou ou se vacinou. Isso nos permite validar a identidade dela. Também utilizamos o banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Usamos várias bases de dados para produzir a prova de vida.

Então os aposentados não precisam mais correr para fazer a prova de vida?
Eles podem fazer, se quiserem, pelo banco em que têm conta-corrente, pelo sistema de biometria ou, simplesmente, ficar esperando que o INSS faça. Se o nosso cruzamento de dados não encontrar nada que comprove que o segurado está vivo, porque ele está fora do Brasil, será possível resolver a questão pela internet, nas nossas representações diplomáticas ou pela Dataprev. Um acordo com a Dataprev, que ainda não está pronto, permitirá que se faça a prova de vida por lá, via biometria. Esse será mais um canal a ser disponibilizado às comunidades brasileiras no exterior.

Quando começa esse serviço da Dataprev?
Estamos numa corrida para chegar até o final de 2024 com isso resolvido.

É possível ter uma aposentadoria no Brasil e outra em Portugal?
Sim. Pode-se ter os dois regimes misturados. Por exemplo: se a pessoa trabalhou 15 anos no Brasil e 20 anos em Portugal e já tem condições, somado os dois tempos de contribuição, de receber no Brasil uma aposentadoria, pode requerê-la. O benefício será pago de forma proporcional ao tempo de trabalho e de contribuição. O INSS vai pagar a parcela referente à contribuição feita no Brasil, e a Segurança Social de Portugal, a parte referente ao recolhimento feito no país. Essa mesma regra pode ser usada para quem pedir a aposentadoria em Portugal, usando o tempo de contribuição do Brasil.

O segurado do INSS que tiver um acidente de trabalho em Portugal pode pedir auxílio-doença se já estiver recebendo o benefício da Segurança Social lusa?
Pode, desde que a esteja contribuindo para os sistemas de Previdência. Assim como na aposentadoria, os regimes são independentes. Os auxílios dependem da sua categoria. Até mesmo o microempreendedor individual (MEI), que tem uma contribuição mensal menor, tem direito a diversos benefícios.

Há possibilidade de avançar nos acordos internacionais firmados pelo INSS?
Com certeza. Hoje, temos mais de 20 acordos. Acabei de receber uma carta da Polônia, e estamos vendo a possibilidade de um acordo. Falamos de países como Portugal, Estados Unidos, Alemanha, Itália, para onde a migração brasileira é relevante.

O INSS conseguiu reduzir sensivelmente o tempo de espera entre a entrada do pedido e a concessão do benefício. Isso também está valendo para quem mora fora do país?
Claro. Nós temos um instrumento muito importante, que evita a realização de perícia, que é o ateste. Esse sistema serve para benefícios de auxílio-doença mais curto (até 180 dias). Basta ter um atestado de um médico brasileiro. E, com as tecnologias atuais, pode-se pedir esse atestado até por uma teleconsulta. Um contribuinte do INSS que está em Portugal pode fazer tudo pela internet. É possível fazer isso pelo app “Meu INSS,”. Basta tirar uma foto do atestado e fazer o upload da imagem junto com dados de identidade e esse benefício é concedido, sem perícia.

O número de empresários brasileiros aqui em Portugal também está crescendo muito. Como eles podem manter o vínculo com o INSS?
Eles têm a opção de contribuinte individual, por exemplo. Há várias alternativas no nosso site, basta entrar lá e verificar a que melhor se adequa ao caso deles.

O senhor já morou em Portugal, certo?
Sim. Fiz mestrado na área previdenciária na Universidade de Lisboa.

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