Na última semana de Julho, uma entrevista com Hannah Neeleman, conhecida nas redes sociais como fazenda de bailarinas, publicado no jornal Os tempos causou polémica nas redes sociais acerca do estilo de vida das esposas tradicionais. O texto “Conheça a rainha das “esposas tradicionais” (e seus oito filhos)” (“Conheça a rainha das tradutores e seus oito filhos”) revelou que Neeleman não tem amas e prepara do zero todas as refeições da família, o que faz com que, segundo o seu marido, ela fique, às vezes, uma semana sem conseguir sair da cama devido ao cansaço.
A entrevista também contou que a influenciadorduas semanas depois do nascimento de Flora, oitava filha do casal, estava desfilando em “maiô e salto de 15 cm, ombros para trás, quadris salientes e bronzeado brilhante” no concurso Mrs World, em Las Vegas. Na conversa, Neeleman afirmou que durante a gravidez continuou treinando antes de os filhos acordarem, tomou vitaminas para se recuperar mais rápido e fez banhos de gelo.
O cuidado com o corpo e com a aparência estética não é a característica mais marcante do movimento tradutormas sim das esposas troféu. Existe uma diferença entre eles?
Traduções
Nas redes sociais, as tradutores — ou esposas tradicionais — são as mulheres que têm uma visão conservadora sobre género e casamento. Elas são sustentadas financeiramente pelos maridos e não trabalham no mercado formal. Porém, todo o trabalho de cuidado da casa, do marido e dos filhos é realizado por elas.
Hannah Neeleman, 34 anos, com quase dez milhões de seguidores no Instagram, é uma das mais seguidas influenciadoras do estilo de vida tradutor. Ela é casada com Daniel Neeleman, com quem tem oito filhos. O marido é filho de David Gary Neeleman, empresário fundador das companhias aéreas JetBlue Airways, Morris Air, WestJet e Azul Linhas Aéreas, e que, em 2015, foi vencedor da corrida à privatização da TAP, numa parceria com Humberto Pedrosa, do Grupo Barraqueiro. Cinco anos depois, deixou de fazer parte do capital da companhia aérea portuguesa.
Num dos seus vídeos, com 40 milhões de visualizações, a influenciador mostra a preparação de um sorvete, desde a ordenha dos animais até recolher os ovos dos animais da fazenda onde vive. E Hannah Neeleman faz tudo com a sua bebé ao colo e os outros filhos à volta.
O marido, Daniel, nasceu no Brasil e cresceu nos Estados Unidos, onde foi criado entre os negócios aéreos e a devoção à família devido à religiosidade, uma vez que pertence à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Hannah, que estudou dança na famosa Juliard, em Nova Iorque, sonhava com uma carreira de bailarina, também é mórmon. O casal vive numa fazenda, no Utah, onde criam gado.
Esposas troféu
Da mesma maneira que as tradutoresas esposas troféu também são mantidas financeiramente pelos maridos e não trabalham formalmente. Nas redes sociais, a diferença é que, dentro de casa, elas apenas dão orientações para as empregadas que cuidam da casa ou até mesmo dos filhos.
A rotina das esposas troféu envolve ginásio, salões de beleza, tratamentos estéticos, entre outras coisas, que façam com que elas permaneçam dentro do que é entendido pela sociedade como padrão de beleza.
Uma influenciadora brasileira mostra que as refeições são preparadas por uma empregada e, no período da noite, quando ela não está, o casal pede um removerpara que não seja necessário cozinhar.
Estereótipos
Para Simone Jorge, professora universitária e doutora em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), “o que está por trás desses perfis, e a gente pode chamar de perfil porque segue esse ritual de transformar algo para que isso possa ser modelo, é o respeito aos estereótipos femininos”. Jorge ressalta que as tradutores e as esposas troféu remontam a “estereótipos que já tentamos superar”.
Segundo a especialista, os perfis lembram uma situação parecida com a vivida nos Estados Unidos nos anos de 1970. “Na década de 1970, aconteceu um movimento feminista muito forte nos EUA, demonstrando a possibilidade da mulher actuar no mercado de trabalho, estudar. E elas abriam mão para ser donas de casa. Na época, as revistas estampavam essas mulheres donas de casa com a cozinha perfeita, divulgando essa ideia de poder cuidar da casa exclusivamente, com o marido provedor”, afirma.
“Quando uma parte da sociedade avança em direitos e, de repente, tem uma visibilidade muito maior do movimento feminista, ao mesmo tempo, tem uma camada da população mais reaccionária que busca evidenciar o êxito das esposas tradicionais, das esposas troféu.”
Jorge destaca que “as mulheres têm o direito de querer e desejar serem donas de casa. Desde que isso não se torne uma imposição, um modelo a ser alcançado, porque o ideal a ser alcançado é que as pessoas sejam respeitadas, independentes, autónomas, realizadas profissionalmente e pessoalmente”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Bárbara Wong