Rui Oliveira: “Pensei desistir dos Jogos para dar o lugar ao meu irmão”


Estamos no velódromo dos Jogos Olímpicos, nos arredores de Paris. Portugal acaba de ganhar uma medalha de ouro no ciclismo de pista, conquistada a pares, e Rui Oliveira, um dos campeões, chega ao pé da imprensa e desfaz-se em lágrimas. Com os lábios a tremer e os olhos encharcados, aquilo que lhe sai primeiro é dizer “nunca ganhei uma corrida na minha vida”. Não é rigorosamente verdade, porque já ganhou, mas é verdade que tem estado longe de conquistas há alguns anos.

E é por isso que Oliveira tem duvidado de si próprio. E é também por isso que pensou desistir destes Jogos Olímpicos, dizendo que lhe passou pela cabeça dar o lugar ao irmão, Ivo Oliveira.

“Passei alguns anos difíceis. O meu irmão também deveria estar aqui. E tenho orgulho de o representar a ele. Houve momentos em que pensei não vir aos Jogos e dar o lugar ao meu irmão, que passou momentos difíceis, se calhar mais do que eu”, disparou, emocionado.

Na selecção portuguesa para Paris, Iúri Leitão, como campeão do mundo de omnium, teria sempre um lugar quase garantido. Depois, faltava escolher o par. Rui Oliveira e Ivo Oliveira, irmãos gémeos, eram os candidatos mais fortes, embora também houvesse boa qualidade em João Matias. Portugal teve de escolher e um dos irmãos ficou fora.

Rui Oliveira esteve numa montanha-russa de emoções enquanto falou com a imprensa portuguesa. Chorou, tremeu, sorriu, disse um par de piadas, surpreendeu-se com informações que recebia, parou o discurso pelo cansaço, respirou fundo e perdeu-se a meio das frases, levado pela emoção.

“Ser atleta é duvidares de ti mesmo muitas vezes. Passei por muitas incertezas. Já estive perto de ganhar muitas vezes. Fiz quartos e segundos lugares muitas vezes. Foram muitas frustrações acumuladas. E nunca, nunca, nunca na minha vida pensei que poderia estar aqui a discutir o ouro. Isto é um sonho. Ainda não estou em mim. Não sei o que dizer mais”.

Iuri Leitão sentiu que isto seria possível

Rui Oliveira e Iúri Leitão correram como dupla, mas vieram para esta corrida com perspectivas diferentes. Rui estava com incertezas, até pelas más sensações que teve no treino do dia anterior, com algumas dificuldades para respirar – contou-nos Leitão, dizendo que lhe pediu calma e o tranquilizou, porque aquilo era só ansiedade.

E Iúri estava numa posição mental bem diferente quando veio para o velódromo. “Ontem, ouvi que o Pichardo foi apenas o segundo da história de Portugal com ouro e prata na carreira. E eu pensei ‘na forma que eu estou e com o colega que eu tenho e com a táctica perfeita, acho que isto não me vai escapar’. Estava confiante num bom resultado e disse ao Rui que hoje ia ser o nosso dia”.

Mas se Leitão se sentia melhor do que Rui no plano mental, isso não foi assim no domínio físico. No fundo, Leitão foi resgatar Oliveira no plano psicológico e Oliveira resgatou-o na falência física. “O cansaço de quinta-feira começou a mostrar-se. Avisei o Rui de que não estava no meu melhor dia, mas isto não é uma corrida só de um ciclista. Se eu no final consegui ir buscar forças onde não as tinha foi muito pelo Rui. Ele só teve uma oportunidade de competir e eu tive duas. Não seria justo deixá-lo na mão”.

O duplo medalhado nestes Jogos confidenciou ainda que a táctica de corrida, com uma primeira fase mais modesta, era uma estratégia, já que “sabia que os últimos cinco minutos seriam fundamentais, a fadiga iria instalar-se” e iriam ter “a última bala para gastar”.

Leitão, apesar do cansaço, prestou-se a fazer uma leitura de corrida bastante detalhada, explicando as várias fases por que a dupla passou. “Esta prova corre-se mais com experiência do que previsões. Aqui temos de ser muito frios e saber ler a prova. Analisar que equipas estavam a gastar muita ou pouca energia. Somos conhecidos pelos adversários por sermos muito frios e por termos sempre uma palavra a dizer na parte final”.



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