Safo, Vénus de Botticelli e uma garrafa de vinho branco


Dias antes de terminarmos o liceu, eu e a Marta decidimos beber uma garrafa de vinho branco à hora almoço, passando por cima da dita refeição. Há meses que palpitava nas nossas cabeças a ideia de irmos para a cama, o vinho fazia parte do plano. Uns copos para ganharmos coragem. Depois de despacharmos em casa dela uma garrafa de vinho branco que comprámos no supermercado Novo Mundo, a Marta levou-me para a sala e beijou-me.

Imediatamente senti o peso da culpa impressa pela educação que recebi. “Estou a beijar uma mulher. Não devia fazê-lo.” Graças ao vinho, apenas um sentimento de inquietação ligeiro e transitório. Fui encaminhada entre beijos para o quarto da mãe da Marta. Deitámo-nos na cama de casal da mãe dela. Outra bizarria, pensei.

A Marta, claramente assumindo as rédeas da situação, beijava de uma forma suave. A minha experiência era pouca, mas eram óbvias as dissemelhanças com os rapazes. Marta cheirava a perfume de rapariga, doce e amendoado. A pele dela era macia e praticamente sem pêlos. O nosso contacto físico e a descoberta dos corpos parecia-me uma experiência assombrosa.

“E de súbito/ a madrugada de sandálias de ouro.” Anos antes, descobri na Biblioteca Municipal da Amora um livro de Safo. A poeta da ilha de Lesbos. Estes dois versos nasciam na minha cabeça, enquanto eu e Marta nos beijávamos sobre a colcha florida da cama da mãe dela. Ela era uma rapariga bela, não exagero quando escrevo bela, uma reprodução carnal da Vênus de Botticelli — o cabelo longo e cacheado num tom loiro arruivado, os olhos verdes ainda mais iluminados pelo nascimento do desejo entre duas mulheres. Tal como na pintura, as formas da Marta tinham um lirismo requintado.

Nessa altura, eu desconhecia em absoluto que a pintura representava o nascimento dos ideais platónicos da beleza e da verdade. Por isso, Marta era apenas o ideal da beleza concupiscente, o nascimento da nossa sexualidade. Ali, sobre a cama florida da mãe dela. Na minha cabeça de adolescente — Marta era Vénus, eu era Safo.

Nunca tínhamos estado com outras raparigas, era uma experiência intacta para ambas. Finalmente nuas, depois de muitos beijos e carícias; encantadoras gulodices. Ela desceu então sobre o meu corpo e beijou-me o sexo, senti receio por ter de retribuir o gesto. Ouvi muitas vezes falar de forma depreciativa durante o meu crescimento sobre a feiura do sexo feminino. As analogias ao peixe e ao marisco eram inúmeras, em relação ao aspecto e odor. E ali estava eu, em plena invenção da minha sexualidade, com receio de que a minha vulva pudesse repugnar ou que a dela pudesse ter esse efeito em mim.

Marta não mostrou qualquer pudor ou receio em relação a isso. Foi ávida, demorou-se com a boca no meu corpo e deu-me a conhecer um novo prazer. Quando tentei beijar-lhe o sexo, estava claramente retraída. Não sabia fazê-lo e revelou-se o peso das crenças impingidas. Preferi demorar-me nos seus seios, pequenos e hirtos entre as minhas mãos e língua. As auréolas pequenas e rosáceas despertaram em mim um desejo ainda hoje difícil de reproduzir. Que corpo magnífico. Que odores adoráveis. “E de súbito/ a madrugada de sandálias de ouro.”



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