Nuno Brito, investigador da Escola Superior Agrária (ESA), em Ponte de Lima, defendeu esta segunda-feira a necessidade de esgotar todas as soluções “mais próximas, rápidas de realizar e, como tal, mais eficazes” antes da opção pelos transvases de água entre regiões. “Antes da transferência de água entre bacias hidrográficas temos outras soluções que devem ser esgotadas. Ou seja, primeiro é preciso analisar todas as alternativas e depois sim, avaliar o contexto e ser solidário”, comenta.
Em declarações à agência Lusa a propósito das reuniões regionais do grupo de trabalho “Água que Une”, criado pelo Governo em julho para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água, o acadêmico disse que os transvases entre regiões deve ser “o último recurso”.
“O momento em que vivemos, em que as alterações climáticas têm um efeito demasiado profundo nas populações, obriga-nos a pensar em todas as soluções, como a auto-estrada da água, e induz-nos a uma solidariedade entre regiões”, afirmou.
Atualmente, “existem três transvases entre bacias hidrográficas, dois (Douro-Tejo e Guadiana-Sado) principalmente dedicados à exploração agrícola e o outro (Mondego-Tejo) à produção de energia hidrelétrica, sendo um tema bastante antigo, proveniente de políticas já debatidas no Estado Novo”.
Para Nuno Brito, uma das soluções “mais rápidas e eficazes” passa pela “criação de estruturas que favoreçam a retenção de água, bem como a reutilização de água tratada”. Um dos exemplos é o Alqueva. “A retenção do Alqueva transformou uma região e pode ser, em diferentes medidas, um exemplo a ser seguido”, sustentou o também coordenador do NUTRIR – Núcleo Tecnológico para a Sustentabilidade Agroalimentar do IPVC, criado com fundos do Portugal 2020.
O NUTRIR é “um projeto de transferência de conhecimento na área do agroalimentar que se preocupa com o desenvolvimento do território do Alto Minho, região de enorme riqueza e diversidade paisagística, mas carente de mais inovação, em particular no setor primário”.
O pesquisador defende que “a grande quantidade de perda de água por falta de retenção implica que, de forma prioritária, se tenha como objetivo fundamental o combate às perdas/desperdício, nomeadamente por boas práticas no consumo doméstico, na sua reutilização ou no desenvolvimento e implementação de técnicas de precisão na agricultura e pecuária”.
“Será, ainda, de equacionar, em função das necessidades e da localização, o recurso à dessalinização, muito responsável pela revolução agrícola verde de Israel (em comum as técnicas de precisão) ou o investimento em melhorar a eficiência do tratamento de águas residuais e a sua utilização, dentro do conceito de economia circular“, acrescenta.
“Água que Une”
O Governo criou, em Julho, um grupo de trabalho, designado “Água que Une”, para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água.
Nenhum despacho publicado não Diário da República lê-se que uma das prioridades é “a criação de novas infra-estruturas e origens de água, onde se incluem infra-estruturas de armazenamento, regularização e captação de água, unidades de dessalinização e, em último recurso, a interligação entre bacias hidrográficas”.
Nuno Brito, que colaborou em um estudo de 2023 da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), intitulado “O ecossistema agroalimentar, gestão ativa do território e desenvolvimento regional”, disse que aquela pesquisa concluiu pela “necessidade de aprovisionar água” diante da “forte concentração de precipitação no Norte, na estação fria, cerca de 70% da precipitação anual”.
O estudo conclui que “o aprovisionamento em estruturas de maior ou menor volume irá regularizar a disponibilidade anual de água e as de maior dimensão permitirão a regularização intra-anual, disponibilizando água nos anos mais secos que foi aprovisionada em anos húmidos”.
Extremamente Seco
Portugal, assim como a maioria dos países mediterrâneos, tem sofrido com as consequências da seca extrema causada pelas mudanças climáticas. No fim de maio, quase metade do país estava em seca severa e a tendência é piorar. A região sul continua sendo a mais afetada. Setembro deste ano foi o segundo mês mais quente já registrado. Apesar de grande parte da Europa ter registrado uma precipitação acima da média, o mês de setembro foi mais seco do que a média no oeste e no sul da Península Ibérica, com incêndios florestais graves assolando Portugal, assim como na Irlanda, no norte do Reino Unido e em uma grande região do leste da Europa.
No quadro das mortes associadas ao calor, em 2023, Portugal estava no sexto lugar com mais mortes por milhão de habitantes, com 136 vítimas, sendo que os cientistas precisam que as mulheres são mais vulneráveis (143 por milhão) dos que os homens (103 ). De acordo com um estudo publicado na revista Lancet Saúde Pública, as mortes causadas pelo calor podem triplicar na Europa até 2100 e dobrar em Portugal.
A temperatura média na Europa foi a mais alta já registrada nesta estação do ano. Ficou 1,54ºC acima da média de 1991 a 2020 e superou o recorde anterior de 2022 (1,34 grau acima da média). As previsões são de que 2024 seja o ano mais quente de todos.